quarta-feira, dezembro 05, 2007

Ainda sobre "Eastern promises"

Refeita do duplo visionamento da obra, sento-me finalmente em frente ao écran do computador e arrisco umas linhas, que mais não serão que uma mera constatação de factos e uma mera exposição de sensações obtidas após o acontecimento.
Raramente me sucede semelhente coisa, como é que se costuma dizer mesmo "choque pós traumático"? é assim?
Pois aconteceu comigo na passada sexta feira, voltei para casa sem saber o que pensar, dizer, sentir... e demorou-se-me cinco dias a passar uma caneta por um pedaço de papel (um recibo de multibanco), mas ainda não contente com o resultado fiz como os pais mandam aos seus filhos "ultrapassar os medos", "enfrentar o bicho papão", sabem aquela sensação de adrenalina, aquela de antecipação de dor, vais custar, e mesmo assim não lhe conseguimos fazer frente e deixamo-nos sucumbir; entregamo-nos de mãos atadas e assim fui eu de novo à mesma sala de cinema para rever a obra. E agora que já vos escrevi umas tantas linhas sobre mim, deixem que me redima:
Cronenberg resolveu pegar num argumento no qual o dedo pudesse ser colcado profunda e demoradamente na ferida "dói não dói?", essa ferida é feita sangrar fazendo-nos perder os sentidos e é depois sarada aquando do genérico final, o mesmo tempo que uma tatuagem leva a sarar, com efeito são os tais cinco dias que referi atrás, os mesmos que me levaram ao início deste texto.
Sempre gostei do modo como este homem revela os seus argumentos, gosto dele portanto como contador de histórias, e atenção porque aqui calhou-lhe um argumento dos bons!
Mas em Promessas perigosas, gosto do modo como são filtradas as sensações, os crimes, os esquemas, os silêncios, as festividades, a injustiça, o tráfico de mulheres e a paralela violação dos seus direitos.
O que fica é o compasso de espera, uma espécie de limbo "russolondrino" no qual os russos se queixam do tempo de Londres "nunca neva, nunca faz sol" agudizados com o som de violinos feitos tocar até fazer "a madeira chorar", a madeira somos nós claro.
O que fica também é a persistência dos protagonistas masculinos lacónicos, Viggo Mortensen é contido e tem aqui a sua melhor interpretação, Naomi Watts está bem (como sempre) e a sua vulnerabilidade é já um paradigma das protagonistas femininas deste realizador, mas para brilhar chamemos Vincent Cassel, essa luz francesa que em contraste com o protagonista, nos enamora pela sua impulsividade, a sua exuberância, o seu exagero que não é porém categorizável, nada parece ser caricaturado, tudo flui do actor em direcção a nós.
Se é um filme violento?
É sim senhor.
Se é melhor que Uma história de violência?
É sim senhor.
Porquê?
Não sei, porque não se explica (sente-se).
Aprendi alguma coisa?
Que o confronto com a verdade é atrasado de dia para dia, e que vítimas esperam por ela: "mantém-te viva."
Que o chauffer de uma família de mafiosos faz mais do que guiar carros.
Que todas as tatuagens devem contar uma história.
Que um homem sentado sozinho à mesa numa noite de Natal tem uma verdade para revelar, verdade essa "atrasada" por uma mentira necessária "mantém-te viva".
(queria que fosse um post mais técnico, mas desta vez não consigo)

1 comentário:

l00ker disse...

Juntamente com "Ratatui", "Zodíaco" e "Once" foi do melhor que vi este ano!