sábado, dezembro 31, 2011

Nunca fui uma entusiasta de noite de passagem de ano, porque sempre vivi este período com a ideia que tinha de começar tudo de novo, e nem sempre admirei a ideia da «estaca zero».
Porém, os anos vão passando, e a repetição de muitas noites de fim de ano, ensinam-nos que se encontrarmos a nossa própria forma de celebração: nada nos pode deter!
Por isso, inventei uma pessoa que se chama «Ano» e imagino-o a crescer e a morrer numa esfera de 365 dias. A vida dele, é mais ou menos assim:


Em Janeiro, acaba de nascer, é um ser frágil e que precisa de protecção e paciência, resmunga um pouco, e por vezes até se arrelia por estar tão no início.
Em Fevereiro, há aquela ideia que ainda passou pouco tempo, o tempo jaz na sua frieza, mas felizmente o mês é curto, e a esperança começa a ganhar espaço.
Em Março, as primeiras andorinhas trazem consigo a promessa de tardes mais felizes, fins de semanas frios mas já de olho na Primavera.
Em Abril, esta pessoa alegra-se, vai ver o mar, mesmo vestido da cabeça aos pés, e anima-se com os primeiras frutas da época, frescas e saborosas, e até com o sabor a chocolate que anima as férias da Páscoa dos mais novos.
Em Maio, já as borboletas se entrelaçam nas suas tranças, as tardes são mais longas, os violinos tocam e ecoam ao vento, e esta pessoa inspira-se na esperança de um Verão prometido.
Em Junho, é tempo de festa a bailarico, de cor e cheiro a chouriça assada, fazem-se planos para os meses vindouros, e diz-se olá às mangas à cava.
Em Julho, abre-se a porta às tardes na praia, ao cheiro a salmão grelhado com arroz de brócolos, as manhãs são inspiradas, e os leques começam a elogiar as faces ruborizadas das senhoras.
Em Agosto, vestimo-nos de cores e com saias curtas, os cabelos são apanhados, os pés respiram, e a pele está quase sempre em contacto com a toalha turca. A areia amacia-nos os pés, e o cheiro a mar é intenso e majestoso.
Em Setembro, a pessoa despede-se do calor com pouca convicção, mas já com vontade de regressar à malha, ao gorro e às mantas no sofá, agarrada à ideia de que as folhas ao cair das árvores tiveram uma vida rica e feliz.
Em Outubro, regressamos aos tons acastanhados, os dias ficam bem mais curtos e frios, os gatos aninham-se ao nosso colo, e fazemos refeições mais pesadas e demoradas.
Em Novembro, são trocadas juras de amor. A pessoa está mais feliz que nunca, e passa o mês a celebrar pelas coisas mais pequenas, o mês fica feliz com a nossa felicidade, os passeios dos velhos sucedem-se e a luz das estrelas abençoam-nos.
Em Dezembro, é o mês feliz, com cheiro a papel de embrulho e fitas enroladas, a árvore montada relembra-nos a infância, e ficamos com aquela sensação de que estamos mais perto de um fim que nunca o é.


Assim é a vida do «Ano» que se renova de 12 em 12 meses, vive intensamente e nunca se deixa ficar. Nesta pessoa, revejo-me e materializo sensações e emoções. Os meses mais felizes são os últimos porque não temem o seu fim, já que viveram verdadeiramente como dizia alguém que já se foi.

segunda-feira, dezembro 26, 2011

Foi assim

Fiz uma sesta. Estava exausta. O Feliz Natal já lá vai, e eu que gosto tanto do Natal, tenho medo de o deixar ir para só voltar no próximo ano. Trabalhei no Sábado e no Domingo, e mesmo assim houve tempo para todas as coisas importantes. Essas mesmas coisas, este ano foram ainda mais especiais, porque o tempo estava aprisionado pelos ponteiros do relógio.
Sábado acordei muito cedo, tomei pequeno-almoço com o meu marido, dissémos um ao outro que as horas iam voar, e que quando eu regressasse a casa, iríamos ter o melhor Natal de sempre. E assim foi. Quando regressei, ele já estava à minha espera, beijámo-nos e foi como se o frio deste Inverno se desfizesse em bandos de pássaros a escvoaçar pelo céu ainda muito azul. Démos um passeio pelo parque, as árvores escuras e despidas, o cheiro a silêncio impregnado e apenas quebrado pelo aroma a eucalipto que fazia daquela tarde, uma tarde remota, perdida em anos e anos de História. Vimos o lago, os patos à espera do autocarro, e regressámos a Casa para nos aninharmos na moleza do sofá. Os gatinhos vieram ter connosco, um mais que o outro, e ainda nos rimos da birra da irmã mais velha. Comi chocolates e fomos para casa dos meus pais. A magia da quadra é de facto, arrepiante, o cheiro a azeite e a bolos, o contraste do verde das couves com o branco do bacalhau. A partilha de memórias, o meu cãozinho que estava notoriamente feliz por passar mais um Natal na nossa companhia. Os mimos que lhe fiz ao final da noite, e que me consolaram a alma por mais não sei quantos anos, mesmo que ao longo desses anos ele decida ir passear para outro reino que não aquele em que eu vivo. A noite seguiu, entre as luzes, o barulho da televisão, a cascata de açúcar que descia pelo meu organismo, o cheiro a café nas canecas mais estranhas do mundo. Chegou a hora da troca de presentes, antes da meia-noite, mas que se prolongou pelas primeiras horas do dia 26. As surpresas, as alegrias, os sorrisos! O desfazer dos embrulhos feitos de forma tão delicada e sem qualquer tipo de pretensão. Regressámos a Casa. À nossa casa, os meninos à espera mas com os olhinhos a querer fechar. Voltámos ao sofá, agora menos molenga, e por lá ficámos a trocar os nossos presentes. O nosso momento chegou, e melhor não podia ser. Não há nada melhor que receber amor, depois de sabermos que o démos, sem nenhum sentido de obrigação, sem rigor, sem regras, sem interesses, apenas démos o nosso amor um ao outro, feito de coisas que nos dizem muito e nos remetem para aquele lugar quente e cheio de luz que é o nosso coração.
Amanheceu, depois de uma noite descansada e abraçada. Seguimos para casa dos pais dele, desta vez já sem presentes, e apenas com frio. Muito frio. A azáfama começou a instalar-se, o frio era derrotado pelo calor emanado pela lareira da sala. O cheiro que vinha da cozinha, era no mínimo desarmante. O majestoso perú, recheado com coisas maravilhosas. O puré de batata feito pelo meu amor, o arroz feito pela senhora sua mãe, e que me fazia repetir garfadas compulsivas. O desfilar de bolos e doces, que a certa altura me fazia desejar ter um estômago maior que a minha gulodice. A sensação de enfartamento e moleza, a falta que o Golias estava a fazer. O regresso para Casa com frio e sono, e o sofá que reconfortava de novo. Saí e fui para o trabalho, desejosa que as horas passassem a correr e eu pudesse regressar para os braços do meu marido. E cheguei. Dormi. E acordei 5 horas depois para começar a trabalhar. Regressei e quem me abriu a porta de Casa foi a outra parte do meu coração. Agora anseio pelo fim de semana em que o ano muda. Dois dias só para nós. Há quanto tempo não tínhamos dois dias assim?

quinta-feira, dezembro 08, 2011

É Natal outra vez

Andamos o ano todo à sua espera, como se no Verão fosse uma data longíqua, e no Outono uma coisa que «ainda demora». Mas o tempo voa, e na sua viagem o espírito apazigua-se, e percebemos que é Natal outra vez.
A festa ganha várias formas consoante os anos das nossas vidas. Altera-se, muda a sua composição, metaforseia-se, ganha asas com mais penas, mas descansa sempre na memória, e vive sempre no nosso coração. O mês de Dezembro reveste-se de dourado, verde e vermelho. Luta levemente pela beleza e o espírito alegre, condições essenciais para uma viagem ao passado.
Neste dias, recordo a nossa infância, as festas de Natal nas escolas, o cheiro a doces fritos, entrar nas pastelerias e ver bolos-rei nas montras tão grandes, que mais pareciam uma ilha do tesouro repleta de jóias incrustadas.
Nestes dias recordo autocolantes com pais- natal gorduchos, e bonecos de neve sorridentes. Nunca percebi porque sorriam tanto, se não podiam sair da entrada da casa, na noite da consoada...
Nestes dias recordo a fita de veludo a prender-me as mechas de cabelo que tendiam a encaracolar, recordo a chegada do meu pai ao final da tarde do dia 24, porque nesse dia «faziam-se bons negócios».
Nestes dias recordo a alegria da minha mãe, que chegava a casa com um grande saco repleto de presentes, e os arrumava debaixo do pinheirinho, e recordo ainda a ansiedade que me fazia sorrir a toda a hora. Nessa altura, achava que a felicidade era aquela noite, aquela e mais nenhuma.
Recordo ainda o cheiro a papel de embrulho, a biscoitos com chocolate e doce de morango, recordo o cheiro a azeite, e o cheiro da fita-cola à espera de ser cortada. Lembro-me de ver velas a arder, de mal conseguir dormir na noite de 23. E eu acordava, e pé ante pé, ia à janela para ouvir passarinhos a chilrear, e ao longe cantavam galos nos poleiros nas quintas escondidads pela mata.
Recordo-me de olhar para o céu, ainda feito daquela matéria etérea dos sonhos, e as últimas estrelas pousarem ainda a vigiar o nosso amanhacer, e lembro-me de achar a coisa mais bonita do mundo.
Mas o tempo passa, e as recordações ficam...algumas, e há que diga que todas, e agora é tempo de novas recordações, mais recentes e mais vivas que nunca. Nos dias que correm o Natal é cheiro clementinas, é o picar dos dedos nos azevinhos, é imaginar o meu cão, e lembrar-me de que como ele me seguia quando eu era pequenina. Nos dias que correm, são os meus gatos que chegam quase sempre junto a mim, e felizes mostram-me todo um novo mundo.
Hoje as recordações são diferentes, porque mais próximas e moldadas à minha nova vida.
Hoje, o Natal é um estado de espírito, é saber que posso ajudar, comer pais - natal de chocolate à noite, e fazer bolos caseiros. É o cheiro a açúcar e ovos, é o pêlo macio dos meus gatos, o sorriso do meu marido quando chego a casa.
O Natal, são as coisas que partilhamos um com o outro, são os nossos passeios até à Praça de Londres cheios de frio, mas felizes porque temos tempo um para o outro. O Natal, é a árvore vermelha plantada de luzes e alegria, o cheiro a castanhas assadas aninhadas na folha de papel enrolada, tal como o nosso abraço apertado no regresso a casa.
O Natal somos nós, juntos, cientes de que temos toda a vida pela frente, e muitas datas destas a comemorar. Somos nós que começamos a coleccionar memórias e pendurà-las na nossa árvore, como se nela pudessem caber todos os nossos sonhos e todo o nosso amor.

segunda-feira, dezembro 05, 2011

In, CEGO,SURDO E MUDO

Uma amiga escreveu sobre mim e o «driver» no seu blog. Fiquei tão comovida, que não tinha como não partilhar.

O passeio dos velhos

Ela sorri quando fala nele...Ela ri quando pensa nele e nela... Ela gosta de bolas de Berlim e de pão de Deus, e eu quase que aposto que ele gosta de a ver comer. Ela gosta da ideia de 'para toda a vida'... Ele assina por baixo sem pestanejar. Ela podia ir de transporte para casa ao cair da noite, ele gosta de ir buscá-la, apesar do frio e da hora. Ele acorda cedo para trabalhar, ela acorda cedo para tomar o pequeno almoço com ele. Ele come marmelada, ela não gosta mas fotografa e publica no mural de quem a fez. Ele é alérgico a gatos, ela tinha uma gata e ele não desenvolveu qualquer alergia. Eles gostam de caminhar pela rua onde vivem. Eles gostam de comprar pão e de dar o 'passeio dos velhos'. Ela ri quando fala nisso, ela gosta de saber que têm tempo para caminhar. Eles têm a estranha certeza de que, ainda que o mundo esteja a terminar na rua ao lado, ali vão sempre poder continuar a comprar pão. Mesmo que a vida esteja de cabeça para baixo, os gatos vão continuar a precisar de sacos de areia. E eles vão ter, necessariamente, de continuar a aproveitar as folgas dela para tratar dessas coisas.Porque é preciso pão, porque é precisa areia... Ela adora o apartamento onde vivem, ele pela certa adora que ela adore. Eu gosto dela... Eu não o conheço a ele. Eu gosto que ela fale nele porque ela gosta dele. Eu gosto dele, porque ele lhe faz bem... E quando ela brinca, e explica o passeio dos velhos, como se nele estivesse o segredo da felicidade, eu acredito, por breves minutos, que ela tem razão... E o pão até pode estar frio, e a areia até pode não ser aquela. E pode já não haver bolas de Berlim na padaria, e pode só já haver uma colher de marmelada no frasco. Ainda assim, ela ri quando fala nele e ele está lá para caminhar com ela... Porque ela gosta dele, e ele gosta dela.

quarta-feira, novembro 23, 2011

A menina que eu era

A menina escrevia em folhas. Desenhava letras, coloria flores e colhia sonhos pintados a caneta de feltro.
Fazia, frio, entrávamos no mês de Novembro, esse mês acalentado, mais frio que fresco, mais escuro que o cinzento do lápis de carvão.
A menina era eu, se estava de saia, eram às pregas, e os collants vermelhas deviam estar cobertos de borbotos, se estava de calças então eram azuis e de bombazine.
A menina que eu era, a menina da mamã. A menina gostava era de ir para o trabalho da mãe, até dispensava as aulas se preciso, estudar para quê? Se o que faço lá, posso fazer onde quiser, e a minha mãe está aqui, não está na sala de aulas do Pinheirinho. Birra assumida. Amuo dos grandes.
Eu gostava de estar com a minha mãe, ajudava-a se preciso, mas ela nunca me deixava fazer nada. Novo beicinho. A menina que eu era desenhava naquela altura em que o dia se desmancha em pó das estrelas, e a minha mãe sentou-se na sua cadeira, e eu fiquei no colo dela. Orgulhosa. A minha mãe trazia uma romã com ela, era meio alaranjada, grande e pesada. Com uma faca começou a desfazê-la, cortando-a minuciosamente, e eu observava curiosa para saber o que ia sair dali de dentro. Quando a casca se começou a soltar, vi a sua verdadeira riqueza, aquele vermelho rubro, aquele vermelho meio cristalino, aqueles gomos pequenos de luz, amor e doçura. A menina ficou encantada, e provou. Ao provar, gostou, mas a mãe gostava mais e a menina preferia vê-la deliciada com aquela dádiva da estação.
A menina que eu era, ao colo da mamã, perguntou como era a casa onde a mãe vivia quando era pequenina. A mãe não querendo verbalizar porque isso talvez a afastasse da memória que tinha guardada na cabeça, preferiu desenhá-la com o coração, e usou a folha da menina. A menina lembra-se disto, e lembra-se da mãe explicar que a entrada de casa era feita de pedrinhas muito pequeninas. Mas não tenho o desenho, e ainda hoje não gosto do fruto, mas gosto muito da minha mãe e de a ver comer essas mesmas romãs.

quinta-feira, novembro 17, 2011

Como ferro ardido

Desejou o destino que nos desejássemos,
envoltos numa brisa de cor feita de luz,
antes do quente da língua e do arrepio na pele.
Antes da tarde cair em noite,
e o livro caído no banco de trás do carro
pular das tuas, para as minhas mãos.
Foi há um ano.
Lembras-te?
Há um ano, ou tantos mais.
Não me lembro bem do que era antes de te saber por perto
Não me lembro bem do que sentia falta, porque agora só sinto a tua.
Apenas sei que nos conhecemos no dia em que os nossos corações
ganharam força suficiente para bater um pelo outro.
Como se já nos beijássemos em sonhos.
Como se já tivéssemos contracenado no mesmo palco.
Como se já soubéssemos tudo o que queríamos dizer
UM AO OUTRO.
A cena que recriamos hoje, mais não é que um quadro de amor.
A cena que recriamos hoje, nada tem de teatral.
A cena que recriamos hoje é sentarmo-nos no meio dos outros,
mais sós, e apaixonados que nunca.
Trezentos e sessenta e cinco dias.
O tempo medido nas horas, relógio que bate ao compasso do coração.
Trezentos e sessenta e cinco dias.
Juntos, abraçados, sorridentes, esperançosos, sonhadores.
Cativos, maravilhados, atentos, viajantes, amantes.
Sedentos, faladores, compreensivos, e felizes.
Tanto que construímos, tanto para te dizer, e em paz
por saber que tenho toda uma vida para o fazer.
Trezentos e sessenta e cinco dias em crescendo.
Tal como um poema que trata de nos arrebatar
nos seus últimos versos, e nos faz beber o mundo de um trago só.
Trezentos e sessenta e cinco dias de plenitude.
No meu coração e na minha alma.
Uma paz que sinto todas as noites no entrelaçar dos nossos braços.
Trezentos e sessenta e cinco dias,
em que voei contigo estrada fora, aninhada nas asas
fortes e corajosas dos nossos sentimentos.
Trezentos e sessenta e cinco dias que me completam,
me fazem acreditar no divino e afirmar que:
A perfeição existe quando nos deitamos e os nossos
corpos, sem querer, se moldam como ferro ardido.
Por tudo o que existe, e por tudo o que falta escrever.

sábado, novembro 12, 2011

Passagem de ano

Por norma, realiza-se a 31 de Dezembro de todos os anos.
Por norma, sim. Na nossa memória, o caso é diferente.
Não sou particularmente fã da celebração, e talvez por isso mesmo, esteja a escrever sobre a mesma a 12 de Novembro. Porém, não relembro uma passagem de ano qualquer. Relembro uma a cujo ano não sei precisar.
Apenas sei que era criança, que fazia frio, que o dia terminava cedo e que estávamos no último dia de Dezembro.
Eu tinha andado de carro com o meu pai, e ao final do dia tinhamos de passar num supermercado para levar coisas para casa que a mamã tinha pedido.
Recordo-me do supermercado cheio e eu estava feliz por ver a multidão confusa, e na azáfama dos últimos preparativos. Compravam bolos e salgados, mantimentos para regimentos talvez. Eu imaginava que todos estavam a preparar grandes festas, e por isso precisavam de comprar metade das coisas que se vendiam por ali.
Acho que o meu pai apenas comprou pão e mais qualquer coisa... talvez bebidas.
Recordo-me de estar ansiosa por algo que ia acontecer, mas não saber bem o quê.
Estávamos a chegar a Casa, e eu ia agarrada a agendas do ano que batia à porta, daquelas dadas por pessoas que trabalham em empresas e assim fazem alguma promoção ao seu ofício. Na altura usavam-se agendas e apontavam-se os números de telefone de casa das pessoas.
Não me lembro do caminho para casa, apenas me recordo que demorou mais que o normal e recordo da chegada. Havia pessoas à porta do café do «Pinheirinho».
Logo depois cheguei a Casa, e cheirava a óleo de cedro, dei as agendas à minha mãe, e ela disse-me que ficasse com uma, mesmo não sabendo bem o que escrever por lá. Eu fiquei muito contente. Lembro-me da televisão estar sintonizada na RTP e dava um programa de humor. É disso que me lembro. Nada mais.

quinta-feira, novembro 03, 2011

Outono

Outono é sabor a vento.
Outono é o lamento do Verão, a véspera do Inverno.
Outono é manta no sofá, e manta sobre a cama feita.
Outono são gatos enrolados sobre si mesmos, de olhos fechados, a sonhar com os seus donos.
Outono é cheiro a café, a castanhas, a lenha, e a terra molhada.
Outono são dias mais curtos, e noites mais frias.
Outono são gotículas deslizando na janela lá de Casa.
Outono são promessas para os meses seguintes.
Outono é preguiça pela manhã, vigília de madrugada.
Outono são collants, botas, gorros e mais tempo para escrever.
Outono somos nós no meio da rua a caminhar contra o vento.
Outono são músicas calmas, livros a meio, e bolachinhas numa lata.
Outono é a brisa que teima em regelar-nos o nariz.
Outono és tu e eu, roeados pelo mundo que criamos.
Outono é a tua mão na minha, a minha na tua num abraço profundo e silencioso.
Outono é cama fria, aquecida pelo sono.
Outono é uma dança que teima em não terminar, e persiste até a regresso das andorinhas.

quarta-feira, outubro 26, 2011

Olhemos sem medo

A carruagem teimava em chegar, na noite que estava mortinha por se evaporar no frio da madrugada. Os passos apressados descansaram no piso cor de tijolo, a mala pesava no ombro e o desejo de chegar ao quente da casa fazia exasperar.
Um olhar meio escondido por uma franja desequilibrada, fugia do meu.
Eu, vagueava pela estação para desentorpecer os músculos, andava de um lado para o outro calma e teimosamente, pensando que nestas horas os minutos parecem sempre uns caprichosos que comandados pelos ponteiros de um relógio, fazem batota e demoram mais que o normal, e o relógio nada faz. Péssimo patrão!
Nada de carruagem, mandriona que nem para chegares a horas prestas!
Nisto, volto a trocar o olhar com o outro , percebi porque fugia do meu... não eram iguais. O meu via através de dois olhos, o dela apenas por um. Uma deformação, um acidente, um motivo entre tantos que não conheço e possivelmente nunca irei conhecer.
A rapariga, tinha a minha estatura, possivelmente a minha idade e a cor dos cabelos igual à dos meus. O seu olhar era meigo, quase inocente, mas tinha força, a força de seguir em frente independentemente de tudo. Ela, sentada no chão, encostada a um painel publicitário com a mochila aninhada nas suas pernas, parecia fazer contas à vida, treinaria um ajuste de contas?
Ela, podia ser um símbolo, uma luz mais forte, um hino, um exemplo, mas não. É apenas uma rapariga a quem lhe falta um olho, e que mesmo assim enfrenta o mundo. Enfrenta-o porque viver é mais importante que tudo o resto, fá-lo por saber que algo assim pode tornar-se num pormenor apenas. Fá-lo porque pode acreditar que a nossa beleza vem de dentro e ecoa por esse mundo fora com uma luz muito própria, e nada tem a ver com o número de olhos que temos.
Ela, com apenas um olho é capaz de ver o mundo por inteiro, eu acredito nisso. Ela, ontem à noite fez com que os meus olhos enxergassem melhor. Ela seria capaz de abrir os olhos de todas as pessoas do mundo que desistiram de ver com os olhos do coração.

segunda-feira, outubro 03, 2011

Aguarela

Começa por ser uma mancha de cor, difusa à espera de contorno.
É criação no vazio, e atribuo-lhe significado quando está prestes a chegar ao seu fim.
A mancha é ausência de corpo, ausência no gesto e ausência de coragem.
A ponta dos dedos ajuda a espalhar a ideia que se quer margem de um mar calmo e espumoso, da mancha nasce um traço, do traço uma figura sem pretensão de ser imortal.
E do que se faz, nasce a inspiração. É nisso em que acredito.
Não nos deixemos guiar pelo vazio.
Nunca deixemos de percorrer um caminho por recear o lugar onde podemos ser levados.
Não abandonemos os fantasmas, porque vamos precisar deles se queremos ficar mais fortes.
Não os expulsar todos os vícios do nosso dia a dia.
Não nos limitemos a obedecer a regras, as regras nem sempre são claras.
Não deixemos de dizer o que sentimos, e principalmente o que não sentimos.
Não nos esqueçamos que a ousadia, permite que o nosso coração se inflame.
Não paremos de correr, quando estivermos perto de perder algo importante para nós.
Não nos esqueças de nos dar à Vida, e ao outro.
Não nos esqueçamos de colorir a vida com aguarelas que são cheiros, emoções, palpites, memórias, batalhas perdidas, barcos à vela, altares de flores, poemas sem palavras e gostos apurados.
Flutuemos no rio, sem deixar a vida passar no vazio.

sábado, outubro 01, 2011

Mudar

Implica rasgar com uma parte de nós que não se quer vergar. Implica olhar para dentro de nós e buscar pelo sentido das coisas, materializar medos, confrontar com a realidade e todas as consequências daí nascidas.
Fazêmo-lo sabendo que é algo precioso, mas que pode levar algum tempo. Fazêmo-lo cientes que aquilo que já temos não chega, e precisamos de força para encontrar mais.
Não julguemos os outros, olhemos por nós. Abracemos a Vida, conversemos com os fantasmas e façamos do nosso caminho uma bela história a recordar.
Quando algo não está no seu lugar, devemos perceber como o devolver ao espaço correcto. É como perceber que a flor que mais gostamos não consegue crescer no vaso que lhe destinámos, por mais sol, água e amor que lhe demos, a flor entristece-se a cada dia que passa. Mudemo-la de sítio e é vê-la a brotar e a esbanjar beleza e alegria aos nossos olhos.
Coragem. Coragem para dizer adeus, coragem para beijar o vento chegado de outra direcção, coragem para agradecer aos que nunca desistem de nós, coragem por acreditarem no nosso valor, coragem para admitir a ousadia em nós próprios, coragem para te olhar nos olhos e saber que nada mais será a mesma coisa.
Coragem nos sentidos, olhos que querem ver, boca para te sentir, dedos para te tocar nos cabelos e perceber que antes de o fazer, já eu sei o cheiro, o gosto, e o olhar que me viu ao amanhecer.

segunda-feira, setembro 26, 2011

Woody Allen volta a fazer um grande filme.
Depois de algumas obras menos conseguidas, pelo menos comparativamente a muitas outras até Matchpoint, o seu Cinema volta a ganhar fôlego.
Midnight in Paris é um filme fascinante, engenhoso e um capricho delirante.
Para quem aprecia Artes plásticas e Literatura tem com este filme a oportunidade de rir e imaginar ( e porque não, sonhar) com os nomes mais altos, as recriações mais "recaricaturadas" de Picasso, Dalí, Fitzgerald, entre muitos outros.
A premissa é simples, uma cidade europeia convidativa, um protagonista que interpreta o papel de Woody Allen, uma namorada rica e fútil, e uma oportunidade de escapar desta realidade e entrar noutra época nunca largando a cidade que o fascina.
Se os actores estão todos bem? Estão. Woody Allen preocupa-se pouco com eles, parece que o imagino a dizer coisas como "Do your thing", a verdade é esta, Woody sabe quem eles são, foi ele quem os escolheu, não precisa de muito mais para dar seguimento ao que quer que seja.
Paris é filmada do ponto de vista mais romântico possível, é a cidade das luzes, da Arte, dos copos reluzentes, do vinho inebriante, da chuva que apaixona o herói da história.
Papel de fundo para deixar fluir um argumento que tem tanto de louco como de realista.
Desta vez, o realizador pede auxílio a Existencialistas, Surrealistas, Naturalistas, e Românticos, todos juntos com a mesma intenção: dar à Vida algo que ela perdeu, tal como uma mulher perde uma batom na mala. Gil, a personagem de Owen Wilson, precisa de encontrar um rumo, tanto para a sua vida pessoal, como para o seu percurso artístico.
Todos nós parecemos querer fugir da vida que temos, é mais fácil rejeitar o que se tem e imaginar como terá sido, é difícil deixar-se ir pelo que existe e simplificar. Por isso, nada melhor que fugir para outra era, ou melhor para uma era como imaginamos que tenha sido, porque imaginamos sempre uma vida no passado, quando as coisas ainda não tinham sido descobertas, quando ainda não tínhamos sofrido,
Sem revelar muito da história, é isso que acontece, são fugas à meia-noite que culminam com uma epifania (como em todos os filme deste realizador).
Manhattan, Barcelona, Londres, Paris... teremos de apelar a Woody que comece a rodar um filme em Lisboa, a nossa cidade terá certamente um encanto muito próprio que espelhe os múltiplos problemas de um novo protagonista deste grande realizador.
Midnight in Paris é ainda daqueles bom filmes, que têm mais significado nas entrelinhas, na aceitação do dia-a-dia, parece algo simples de ser imaginado, mas simples é tudo o que não é. Se as pessoas fossem todas simples, Woody Allen não seria realizador de cinema.
Bravo Woody. Estamos ansioso pelo que ainda está para vir.

domingo, setembro 11, 2011

Já não sei escrever

Apercebo-me disso. Não por aquilo que escrevo mas por aquilo que não sinto, e escrever é uma questão de sentimento, mais do que outra coisa qualquer.

Outrora foi uma libertação, uma forma de expressão, um corredor largo e alto que percorria de pena na mão, lenta e docemente. Hoje as paredes são apertadas e baixas, o chão escorregadio e não encontro métrica ou forma.

Pergunto-me se foi a minha libertação o que me condenou. Escreverei melhor quando preciso de espaço? Penso no que sempre me levou a escrever, sobre o que escrevo e no que gostaria de escrever. Apercebo-me de que não sei. Não faço a mais pálida e comum ideia. Aliás, senso-comum é coisa cada vez menos comum no mundo em que vivo.

Analiso o problemo, disseco as partes que previamente separei e coloquei em lamelas. Chego o microscópio para junto de mim, afasto a poeira incómoda e olho pela lente.

Espaço. Distância que posso ou não pedir aos demais, distância em que permaneço ou abandono, distância que percorro calma ou a passo acelerado. Espaço é coisa que não me falta. Os caminhos são percorridos a seu tempo, nunca fui apreciadora de corrida, quanto muito de passo-corrida e se me apanharem a fazê-lo, finjo que não sou eu. Peço espaço com regularidade para me encontrar comigo mesma, para reflectir e para logo sentir que não preciso de muito desse mesmo espaço para ser feliz.

Sempre gostei de escrever. Desde pequena. Recordo as composições que a Professora Maria Manuel mandava fazer em casa ou na escola, escrevia sempre demais, enquanto houvesse carvão e folhas. Escrevia, sobre o mar, o campo, a familia e os amigos, os passarinhos, o jogo da macaca, o vestido aos quadradinhos brancos e cor de rosa. Escrevia sobre o Natal, o Pão por Deus e a Páscoa, os pardais aninhados nas telhas da escola e as abelhas que nos picavam no recreio e se me fosse pedido escrevi a até sobre o Universo, mesmo ciente de que era uma coisa muito grande e que só me seriam ensinadas mais coisas quando fosse mais crescida e mudasse de escola.

Hoje escrevo exactamente sobre as mesmas coisas, com mais ou menos detalhes, e com a vantagem de já ter vivido uns anos e perceber qua antes as coisas eram de uma forma e agora são ridiculamente iguais. Mudando-se alguns adjectivos, fazendo uso de advérbios de modo e revelando aqui e ali algum je ne sais quoi de cultura geral.

De futuro gostaria de continuar a escrever sobre estas coisas mas de forma mais pueril. Porém como o posso fazer se hoje sei mais do que ontem e amanhã é para mim uma janela aberta a uma paisagem composta por milhares e milhares de perspectivas animadoras? Precisarei de me desligar de algo a mais, precisarei de algo a menos? Sempre gostei mais de prosa, acho-a a mais apaixonante que a poesia, a arte dos que se apaixonam por tudo o que respira. Não quero com isto dizer que não me derreta com versos de Wordsworth, que não reflicta ao ler Victor Hugo, que não me encante com um presente recente de nome Emily Dickinson. Quero sim afirmar que esses eram grandes demais, souberam fazer da frase curta um hino à gransiosidade da palavra.

Eu não o sei fazer, prefiro a prosa que me permite escrever tudo o que me vem à cabeça, porém acho sempre que escrevo frases curtas exactamente porque apreciso poesia que transformo em prosa. Talvez não tenha ainda encontrado a forma certa, talvez apenas a encontre quando deixar de procurá-la e ela sentir-se livre e por isso preparada para mim.

sexta-feira, agosto 19, 2011

Temos Catwoman

Esperamos que o último dos três seja tão bom ou melhor que os anteriores!

sexta-feira, agosto 12, 2011

Para o meu pai

Subias as escadas rolantes que vinham do fundo do chão em direcção à luz do dia. Desviaste por um segundo a atenção dos teus pensamentos banais, e pensaste noutra coisa. Baixaste os olhos e ajeitaste os óculos de sol. Naquele instante pensaste no que perdeste, foi-te roubado. Nunca tinhas pensado dessa forma, foste atingida por um raio invisível e teimoso, nervoso e saudosista. Recordaste todas as pequenas coisas, gestos primários e doces. Rcordaste a voz e a forma, o cheiro e o olhar. Foi-te roubado. A meio da subida das escadas, levantaste o olhar, cerraste os lábios e franziste o olhar como quem fica confusa e indecisa. Sentirei a tua falta? E se o passado tivesse sido outro, gostarias do teu presente. Seria melhor? Recordaste o mês fatídico, o mês de Dezembro, o teu preferido que se estava a desmoronar. O frio da caminhada, a espera pelos autocarros, a vista da janela, os pingos de chuva que te encurralavam a qualquer hora do dia, o silêncio apenas quebrado pelo sol do televisor que a meio desse mesmo mês foi levado para outros a quem fizesse falta. Recordas o bolo de laranja húmido e as bolachas Maria integrais, um pacote verde garrafa com letras brancas e castanhas. Anos e anos depois apercebes-te que o mundo mudou desde então, perdeste e não sabes ao certo se recebeste algo em troca. A Vida é mesmo assim. Não esqueças a vida bonita que tens.

quarta-feira, agosto 10, 2011

Porque dominar é preciso - e comer também.

Dominar.
Trata-se e um verbo que usa aqui e ali e que revela apenas um sentimento cada vez mais visível no nosso mundo, mas que lá por ser mais notório agora não quer dizer que é coisa que não existiu desde sempre.
Dominaram-se povos, dominaram-se territórios e depressa se começou a dominar animais, através da domesticação.
Séculos e séculos depois, nasceu a noção de "sociedade" e uma "estrutura social" baseada também em domínio consubstanciado no poder económico e claro, político.
As sociedades começaram a organizar-se em castas, os ricos em cima, os pobres em baixo, com escolaridade em cima, sem estudos em baixo. O mesmo em casa de famílias, (o homem por trabalhar e poder dominar )em cima da mulher submissa e dependente.
Pensar isto nos dias de hoje seria ridículo, pelo menos do ponto de vista da vida como a conhecemos.
Mulheres e homens têm os mesmos direitos, travaram-se lutas por isso, tantas lutas que muitas vezes se inverteram os papéis e as mulheres tornaram-se frias e ela sim com imensa vontade de dominar.
Dominar é agora uma necessidade constante, os homens querem dominar as mulheres e as mulheres - porque queimaram soutiens querem dominar os homens. Não condeno obviamente as mulheres que no seu tempo o fizeram, e bem, colocaram-se em frente a autocarros, associaram-se e fizeram ouvir-se. Hoje não teríamos metade do que temos se essas mesmas mulheres não o tivessem feito. Mas essas mulheres viveram no seu tempo e não sabiam no que poderia acontecer. Os anos passaram no mundo ocidental, as sociedades evoluiram, as guerras sucederam-se e as mulheres tiveram de entrar no mercado de trabalho já que os homens estavam em campos de guerra. As mulheres foram à escola, as mulheres mostraram que além de donas de casa, podiam ser mães e esposas, eram também profissionais competentes e multifacetadas, capazes de opinar e fazer a diferença.
O que aconteceu depois? Porque querem agora as mulheres dominar os homens?
Seria um desejo inconsciente decorrente da sensação de injustiça a que foram votadas desde há milénios? Ou, um mero desejo comum a homens e mulheres mas apenas manifetado nestas últimas no decorrer da sua emancipação?
A mulher agarrou o cigarro, a pasta dos contratos e a máquina de calcular, deixou de querer ter filhos, de fazer o jantar, acha que ir ao supermercado uma seca e condena ainda as que gostam de o fazer. Esta mulher prefere passar tempo com as amigas, dinheiro a afectos, redefinem prioridades e dominam, colegas de trabalho, familiares e companheiros de vida. Os sonhos mudam e a realidade acompanha essa mudança.
Parece que estar com uma pessoa, significa "és meu e só meu, não porque te amo mas porque és meu", e é assim que tem de ser, escolhe-se a infelicidade como caminho, não se fazem planos bonitos, fazem-se planos porque assim tem de ser e porque a sociedade assim o exige, é obrigatório e isso diz tudo.
Gosto muito de ser mulher, gosto mesmo. Acho que devemos sempre lutar pelos nossos direitos, mas basta olharmos para trás, ou folhearmos uns quantos livros de História para perceber: tudo o que acontece no mundo possui um carácter ciclico e um período de vida compreendido entre nascimento, amadurecimento e declínio.
A mulher renasceu quando se apercebeu que tinha de lutar pelos seus direitos.
Durante cerca de 4 décadas cresceu exponencialmente e mostrou que estava certa.
Passados esses 40 anos começou a destruir tudo o que construiu por ganância e vontade de dominar.
O Neandertal foi extinto pelo Homo sapiens após conviverem juntos.
Alexandre foi grande até querer dominar todo o mundo.
O mesmo se passou com a chegada ao Novo Mundo e com toda a riqueza a explorar.
Tudo começou bem e acabou mal, porque todos quiseram dominar aqueles que mais perto de si estavam, e estavam perto por serem mais fracos e estavam porque precisavem de um exemplo a seguir. Juntou-se a fome à vontade de comer.

segunda-feira, julho 18, 2011

A Árvore da Vida

O texto sobre este filme tardou, porque senti que precisaria de algum tempo até conseguir reunir as palavras certas para um texto com sentido. O tempo que é de ouro.
Tratamos aqui de um verdadeiro hino à Vida, a vida tal como a conhecemos, terrestre e universal, e ainda um convite à reflexão sobre a nossa condição. Depois de tudo isso, o filme tem ainda espaço para ser uma obra de arte.
Repleto de imagens oriundas de um imaginário poderosíssimo como é o cósmico, Malick tenta desmistificar, pegando no que há de mais místico: a Fé em Deus "o sentido da Vida", usando passagens bíblicas que vão alimentando as dúvidas do Homem nos seus maiores momentos de fragilidade e dor e que o vão reconfortando quando tudo o resto falha.
Somos confrotado vezes e vezes sem conta pela passagem de pessoas por nós, como se numa vida coubesse um universo à espera de nos encurralar numa das encruzilhadas amargas do caminho que temos de travar. Felizmente por esse caminho vamos encontrado árvores de frutos, árvores perfumadas, árvores vivas, árvores da vida.
Terrence Malick acredita no poder da vida e no poder a morte, na dor da passagem de um estado para o outro, mas acredita principalmente na Vida e no deleite decorrente das maravilhas que a mesma tem para nos oferecer.
O realizador acredita na expiação e na redenção, na Graça divina e no ódio humano, neste último caso parecem estar sempre associadas.
Foi com alegria e tristeza que vi o filme por duas vezes, mais algeria que tristeza, das duas vezes.
Porém no segundo visionamento: algo mudou, para além da sala e da companhia.
Árvore da Vida toca-nos pela proximidade do tema e condição, toca-nos porque todos nós somos fruto de uma árvore, uma família recheada de contradições e sonhos, uma árvore que nasceu muito mais cedo do que poderíamos imaginar, uma viagem iniciada por algo ou alguém há milhares de anos e que pode terminar de repente, sem aviso. Não sabemos realmente a quem obedecemos, não importa, ha um caminho a percorrer e uma corrente de laços a estreitar.
Esta obra é também um hino ao Tempo, o Tempo como barómetro circunstancial das nossas atitudes, o Tempo como escala das nossas mudanças, a nossa vontade em pedir perdão a nossa incerteza face ao que nos espera.
Do ponto de vista técnico, pouco há a dizer (porque tudo é tão grandioso) apenas que Malick transforma um simples plano a uma homenagem à Mãe Natureza, e que Malick é ainda capaz através de um plano aproximado carregá-lo de dor que nunca a chega a ser abafada pelo som avassalador de um avião a descolar. A nossa atenção é concentrada na expressão do actor (Um Brad Pitt fenomenal), o mundo corre na velocidade máxima, a dor é esmagadora e eu não consigo tirar os olhos da expressão dele.
Essa é para mim uma das cenas mais marcantes da obra, que encerra este texto, e eu sei que poderia escolher dezenas de cenas, mas esta é realmente a que mais me marcou, como se eu própria me afundasse num marmoto capaz de destruir um pedaço de teritório, uma nação, um mundo tal como o conhecemos, a destruição fatal de uma humanidade, de uma era, de um capítulo das nossas vidas em comum como irmãos terrestrres.
Felizmente não nos podemos definir a partir de um filme, (isso seria verdadeiramente redutor), porque se pudéssemos a Árvore da Vida seria a definição de Humanidade.

sexta-feira, junho 24, 2011

Devorar destes

como se o amanhã fosse coisa que poderia não acontecer ;)

domingo, maio 22, 2011

O sonho que nunca mais esqueci

Ela sonhava com o pai.
Ela menina e o pai, pai dela.
Segura pela mão era guiada pela vila caiada de branco numa noite cálida de verão. O céu meio estrelado como as noites pintadas por Van Gogh. A viagem parecia demorada, entre as ruelas da vila, as casas de portas fechadas a respirar o ar familiar de um repouso de fim de semana. As cigarras a cantar, os canaviais a sibilar, um ambiente vivo e cintilante como a Lua reflectida no topo da água do mar, e um sonho ainda todo por sonhar.
As perninhas da menina esforçavam-se por acompanhar as passadas do pai, alto, grande e de sorriso malandro nos lábios. Subiram a escadaria para admirar o grande relógio fechado no cubo de vidro, um relógio gigante e imponente, feito em madeira e ponteiros de aço. Os dois estagnados a vislumbrar a peça, os dois a suspirar pelos seus corações palpitantes. O pai pegou a menina ao colo, deixou-a tocar no vidro como se estivesse mais perto do que nunca de tocar no relógio, o pai deixa deslizar os lábios e murmura um segredo, descai o lábio inferior e contrai o superior, um beijo na bochecha da menina que ecoa com as badaladas do relógio.
Nunca esqueci este sonho que sonhei quando era mais pequena, não me recordo de ter visitado em vida uma vila numa noite de Verão acompanhada pelo meu pai, apenas me lembro do segredo. O meu pai não mo contou no sonho, contou-me numa das muitas viagens que fazíamos há anos atrás... mas isso, isso é o meu segredo.

sexta-feira, maio 06, 2011

O menino no tractor

Van Gogh, Path through a field with willows, 1888
- Tu ainda acreditas em magia?
Perguntou-lhe ele enquantos estavam os dois sentados nas escadas à frente da porta da escola que teimava em abrir. Os dois sós, os dois meninos. Sentados como se aquele fosse o último dia de aulas antes das férias grandes, como se os dois fossem as únicas crianças daquela aldeia, como se aquela manhã fosse fonte inesgotável de risos e queques, sumo de laranja e pão com manteiga, e leite com chocolate em pó aquecido. - Eu sim. Acredito em magia. Porquê? Tu não? - És uma tola. Vou explicar-te uma coisa, coisa essa que jamais esquecerás. A magia não existe. O que existe são truques que fazem com que acredites em magia. No entanto, tudo não passa de artimanhas bem feitas que fazem com que pombos voem de cartolas, coelhos apareçam dentro de gaiolas fechadas a cadeado num abrir e fechar de olhos. O que tu não sabes é que num abrir e fechar de olhos uma pessoa pode ser muito rápida, e iludir-te e depois enganar-te e tu não percebes. Não podes acreditar em tudo o que vês. A menina retraiu-se, sentiu um calafrio e uma primeira lágrima fez-se convidada no seu rosto. Pensou para si mesma que ele estaria a enganá-la, mas também não tinha como não acreditar nas palavras que ele acabava de ter dito, e deu para si a abandonar a sua própria crença e esqueceu-se de continuar a chorar. Ao ver que tinha perturbado a jovem alma da menina, o menino disse: - Não fiques triste, a magia não existe mas há coisas verdadeiramente mágicas, essas não precisam de truqes ou mentiras. A campainha tocou e os meninos entraram na escola, cada um para a sua sala, ela era mais nova e mais pequenina que ele um menino mais velho e já na quarta classe. Ela sentou-se e aprendeu a colorir folhas com animais parados nelas e a desenhar letras, ele deixou-se ficar. A menina nunca mais se sentou nas escadas com ele, os dois cresceram, a menina saiu da aldeia, o menino ficou, a menina voltava e o menino sempre lá ficara. A menina aprendeu mais coisas, percebeu que os números eram infinitos e que não se davam bem com ela, que a vida parecia estar sempre um passo à frentes das suas decisões e que aceitando-as saberia ser feliz e até quem sabe contrariar a própria vida. Nos dias em que a menina, agora mais crescida volta à aldeia e procura o menino, uma ou outra vez encontra-o na estrada, sempre na estrada, ele parece por lá vaguear sentado a guiar o seu tractor, alheado de tudo e de todos. Quando assim é ela recorda-se que foi ele quem uma vez disse que a magia não existe, o que ele desconhece é que ele acabou por lhe dizer a ela o seu verdadeiro oposto. A magia não existe, mas as coisas mágicas sim.

terça-feira, maio 03, 2011

Uma noite assim

Corpo que reconforta o acordar após o pesadelo assaltante de almas madrugada fora.
Uma penumbra de receios que se esvai ao toque com esse mesmo corpo, abraço fiel e apaziguador.
Não te movas, eu vou ao teu encontro, e não te vires que já me virei para ti.
Conto de fadas que se escreve nas entrelinhas do dia com a leveza digna das asas de um anjo. E assim ecoa a esperança de uma felicidade constante, que não parece uma miragem, que não vive ensombrada, que não permite paredes ou escuridão.
Doce e terno assim é o batimento de um coração em paz.
Destruam-se as barreiras, quebrem-se os espelhos azarentos, volte-se a Lua para a nossa janela, afugentem-se os malvados dos pesadelos, enfeitice-se o espaço beijado pelo sol, brinque-se com as tranças das meninas morenas, tape-se o poço para não revelar perigos e para eu adormecer a teu lado, outra vez.

segunda-feira, abril 04, 2011

Uma tarde como outra qualquer

Uma luz seca que força uma amena sensação.
Raios chuvosos que nos refrescam entre batimentos de coração.
Uma manhã sonolenta que desemboca numa refeição terna e doce e num deitar quente e prolongado. E amamo-nos, como se a janela do quarto estivesse virada para o Paraíso. E amamo-nos como se as estações do ano nascessem e morressem em algumas horas. E amamo-nos como se os nossos corpos entrassem e saissem do nosso ser. E amamo-nos por longas horas em movimento e em progressão, em luz e escuridão. E amamo-nos como se as nossas vidas disso dependessem. E amamo-nos como se o Universo entrasse dentro de nós enraizado nos nossos cabelos, nas pontas dos dedos, nas línguas ávidas. E amamo-nos sem medo, sem reservas e sem rivalidade. E amamo-nos mais e mais, sempre mais, sempre mais do que ontem e menos que amanhã, sempre mais e mais fundo. E amamo-nos sem dar tréguas. E amamo-nos sempre porque sempre nos parece pouco demais.

sexta-feira, abril 01, 2011

Escuro

Austera sensação esta que sinto. As palavras fogem-me ou eu não as alcanço. O mundo gira e eu não o consigo aprisionar, as borboletas voam e eu não as sei proteger, vejo a cor e a beleza das asas e nada sei dizer sobre isso.
Loucura fugidia, paredes entreabertas que não me permitem abraçar o universo. Luz que emana e não ilumina. Não me sinto sã, não me sinto sábia, não me sinto acordada e não me sinto triste. Não sinto, respiro. Amanhã vou acordar de novo e espero ter mais para escrever.

segunda-feira, março 28, 2011

Chuva para o almoço

Às vezes, mesmo sabendo que não temos razão, prosseguimos e não avistamos para lá de entre as gotas de chuva. O Sol deixa de espreitar e não conseguimos opor-nos aos nossos próprios sentimentos, mesmo sabendo que não temos razão. Trata-se de uma sensação ridícula, um cansaço da alma que corrompe os sentidos e não nos permite ver com a clareza que precisamos. Saber que não se faz o certo e mesmo assim persistir, saber que a vida é boa e bela demais para ser medida em folhas de papel mal impressas. Deixemos a chuva cair e levar com elas os nossos medos, nada há a temer. Nada. Viver apenas, respirar o teu corpo e deixar-nos cair no trapézio sem rede que é a nossa vida.

segunda-feira, março 14, 2011

Quando chove

temos de agir assim.
Aliás, temos de agir assim sempre, principalmente quando chove.

quarta-feira, março 09, 2011

127 horas

Pop.
É a palavra que encontro para descrever, mínima e pudicamente o filme de Danny Boyle.
127 horas é o filme sobre um homem só, encurralado pela mão que foi "ao encontro" de uma pedra, ou será que a pedra é que foi ter com a mão?
Tendo a solidão como condição Mr Boyle opta por realizar uma obra em que o espectador vê repleta de imagens de cor com multidões em contraste grosseiro com a condição do protagonista.
Mais que um jogo de cor, 127 horas é um objecto com função sensorial, melhor que nos transmite sensações, e porque o Cinema é isso mesmo.
Com poucas deslocações de câmera retemos tudo aquilo pelo qual Aron Ralston passa desde a privação de alimentos e água, a exposição à luz e calor de dia e frio (muito frio) de noite, às alucinações consequentes e os vários momentos de reflexão pelo qual o mesmo vai percebendo os seus limites, por vezes ilundindo-os mas sempre consciente de que se havia algo a fazer, teria que o fazer a só consigo mesmo.
James Franco é competente como em tudo o que faz, executa e bem o papel, algo difícil atendendo ao facto de se tratar de one man show, tal como era difícil para Tom Hanks em Castaway.
Normalmente a academia premeia sempre este tipo de trabalhos o que é fácil de compreender, o actor tem margem para "brilhar" tal como tem margem (e como tem) para se espalhar ao comprido como se diz por aí... James Frnaco brilha por estar só, por transparecer toda uma gama de sentimentos e angúsitas, medos e ansiedades pelos quais uma pessoa numa situação limite daquelas poderia trasmitir.
O actor já nos tem maravilhado com alguns desempenhos, desde James Dean, a prostituto Sonny no filme de Nicolas Cage, que na altura mereceu boas críticas, aqui trata-se de um grande papel, apenas ofuscado pelo filme em si e no modo como a História se desenvolve ao ritmo avassalador de imagens colocadas que dão descanso ao espectador, nem por isso ao actor. Basicamente Danny Boyle oferece ao espectador a oportunidade de respirar através de explosão de imagens, é a botija de ar que recebemos de bónus, de outro modo o filme era uma tortura e o tema central deixava se ser o desempenho do actor. Porque verdade seja dito, as pessoas gostam de sangue, e é sangue que querem ver neste filme, Danny Boyle dá a volta à questão!
A reter: o olhar de Franco, a banda sonoro forte, a montagem e fotografia, a visão e projecção inteligente do realizador.

segunda-feira, março 07, 2011

A dois

Um estrondo interior, fervoroso e em crescendo.
"A dois" é algo que fazemos, juntos e que ninguém mais sabe.
Do nada, uma luz que se acende e ascende. Do nada e num ímpeto, um encontro de corpos em movimentos coreografados pelo som do bater dos corações.
Os corpos que se encaminham acompanhados ao final do dia pelas divisões do espaço, a sombra da noite infantil que se esbate na fronteira da Lua. Uma enchente de alegria, dois suspiros, um minuto e todo o mundo a acontecer: naquele preciso momento.
Prolongada a sensação, vida, sangue, fruição, dez sentidos, pares que se repetem, o teu gosto no meu, o meu corpo no teu, um sorriso esboçado que parece uma tela impregnada de cor, viva, bela e amante.
O poema de uma canção ainda a ser composta, a dedicatória de um livro já com muitas páginas lidas, uma pena leve que teima em cair sobre nós, o nosso sonho, a nossa vida. Isto é todo um reino de flores e rios prontos para nos receber.

terça-feira, março 01, 2011

Mudar de casa...mudar de vida?

Mudei de casa.
Aliás, estou ainda em fase de mudanças, transporto de uma casa para outra parte da minha vida, coisas e mais coisas que se colocam dentro de caixas livros, folhas, antiguidades e preciosidades chegadas do meu coração.
Mudo-me para uma nova casa, na nossa cidade, na artéria que nos faz chegar mais depressa a todas as coisas que fazem da nossa vida aquilo que ela é. E como foi bom percorrer aquele caminho hoje, lado a lado contigo. Caminhando entre o sol e a sombra, a brisa fria da manhã de Inverno e todas as outras pessoas do mundo nesta nossa cidade.
Não me é difícil mudar, nunca foi. Trata-se de uma nova etapa, que já iniciei há algum tempo sem me aperceber muito bem. Muda o local, o resto permanece, muda outra coisa, antes partilhava tudo comigo mesma, agora partilho-o contigo, todos os dias, dia a dia.
É bom descer a rua abraçada a ti, caminhar calmamamente, conversar enquanto o fazemos, é bom saber que sentes a minha falta à noite quando te deixo por breves momentos a dormir, é bom deixar a nossa casa e saber que a ela vamos regressar ao cair da noite.
À nossa!
Bem hajas.

domingo, fevereiro 13, 2011

F.u.t.u.r.O

Futuro.
O que é afinal?
Como é que se escreve, como se descobre, como vivê-lo, se ele é algo que ainda está por vir?
Passamos o tempo a planeá-lo sem saber que o futuro está bem mais próximo do que podemos imaginar.
Futuro é um sonho que com uma "data limite" se transforma em objectivo. Futuro é grão de areia sobre grão de areia, é mão de criança curiosa e macia. Futuro é manhã silenciosa e ensonada.
Para quê temer o futuro, quando o passado já nos ensinou por demasiadas vezes que tudo se resolve, que o Sol por mais escondido que esteja sempre arranja maneira de se insurgir, o Sol colado ao céu aos beijos sôfregos com todas as núvens passageiras.
Futuro é linha fina e trémula que tornamos forte com o presente que enfrentamos hora a hora. Futuro é fina camada de açucar caramelizado no topo de um bolo acabado de arrefecer.
Futuro é tudo e nada, é água e fogo, sombra e luz, é pessoa e animal, é cama feita de lavado, é sabor a cereja na Primavera, é aquela música que vai ser um grande sucesso só que ainda não foi feita, é palavra por dizer, é vida, morte, renascimento e plenitude.

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Brevemente

numa avenida perto de mim...

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

Hino

A ti que me seduzes e animas.
À luz que emanamos juntos num sussuro sonoro.
Ao mundo que nos abriga num universo particular.
Ao som do bater do teu coração quando me aninho sobre ele.
Ao silêncio do vento que nos abençoa quando precisamos de estar a sós.
À ausência do dia a dia que nos faz querer sempre regressar.
A mim que me deixei ir enredada pelo teu sorriso.
Ao adeus que partilhamos todas as manhãs, tristemente felizes.
Ao pé ante pé que nos deixa caminhar de noite para não quebrar o vidro do sono um do outro.
À sugestão que damos à Vida de que ela ser torna simples e por isso digna se ser sorvida.
A nós que apenas sentimos e não duvidamos, porque apenas sentimos.

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Do que gosto?

Gosto de palavra. Decisão. Firmeza. Subtileza. Agressividade gentil. Gosto de resposta rápida. Doce. Calor. Casa. Prata dourada. Gosto de tudo o que me permite evoluir. Gosto voo e da queda. Gosto de harmonia. Paz interior. Teclados de máquinas de escrever antigas. Brilho nos olhos. Esconderijos. Jasmim. Chá e café. Gosto da clave de sol. Gosto do cheiro da minha mãe. Gosto de bolo de noz. Veludo e seda. Da queda e do salto. Da mentira frágil. Do miar da minha gata. Da manta no Inverno. Do luxo da simplicidade. De fruta fresca cortada. Do cheiro a papel, a plástico e erva molhada.