domingo, abril 21, 2013

Aquele abraço apertado

Aos Domingos recebo sempre uma visita especial. Chegado o final da manhã, ela chega com o seu andar repenicado, a sua saia travada e o seu colar que varia da pérola ao plástico. Traz sempre um tacho cheio de sopa e umas laranjinhas. Às vezes também tem um plasticozinho com uma carne assada e gosta de me deixar uma notinha na gaveta do aparador. Deixa-as lá e nem me diz nada. No dia seguinte ao telefone costuma dizer-me "É para os teus cafezinhos.". Esta é a minha mãe.
Depois conversa muito, conta como foi a sua semana, fala-nos da sua nova patroa, do meu pai, que tem saudades da mana e que começou a fazer um vestido novo.

Eu fico sentada no braço do sofá, com as pernas empoleiradas e ele mete-se ao meu lado, como que a aparar uma queda que ao acontecer é tudo menos grande, e vem o abraço, o abraço apertado. Sinto-lhe o peito, o mesmo que me alimentou durante quatro anos e meio. O peito que tantas vezes me confortou, o peito da minha mãe.


Vergonha

Estendem a mão e pedem. Pedem com a mão, com os olhos e com a boca. A boca que pede comida, as mãos que pedem boa vontade e os olhos que pedem.... com vergonha.
E eu fico com vergonha, vergonha de não poder ajudar todos os que me pedem ajuda e vergonha de não saber sequer o que é pedir na rua. Pedir é um acto de vergonha. E vergonha é uma morte sem morrer.

Na zona onde vivo, pedem-me muitas vezes. Já me bateram à porta a pedir comida "o que tiver, que não como desde ontem. O que puder...", e eu dei, com vergonha. Quando passeio e mais não tenho que dar tento oferecer o meu melhor sorriso, mas é um sorriso repleto de vergonha, porque eu tenho para onde voltar e o meu frigorífico está cheio e a minha barriga não tem do que queixar.

Por aqui, vejo pessoas mais velhas, que pela primeira vez na vida pedem "o que tiver, o que puder", têm vergonha, vão pelo passeio, olham-nos timidamente a ver se conseguem perceber se as vamos recriminar ou simplesmente ignorar. Dois caminhos fáceis para esconder a nossa vergonha. Vergonha essa que eles sentem ao estenderem a mão e projectarem timidamente a voz e que eu percebo com o coração partido ao meio.

Que vergonha que eu sinto. Que vergonha.

                              Imagem retirada daqui: http://www.etsy.com/listing/77165399/old-hands-8x8-custom-print

quarta-feira, abril 10, 2013

I.

Anda depressa sem saber para onde ir.
As primeiras flores a florir,
Colhidas as palavras no regaço,
Devolvida a chuva e o vento,
pois deles já não queres saber.

Pés ávidos de sabor a terra e sorriso nos lábios.
A doce e intoxicante melodia dos nossos sonhos.
Cabelos em canudos desfeitos.
Bainha da saia desfeita.
Vontade de ser gota de água infiltrada no profundo do teu ser.

Noite caída, brisa fresca.
Um voltar erguido e vibrante.
Seda rasgada, copo entornado, trovão mudo.

Assim somos.


                                                                                    Foto retirada daqui

segunda-feira, abril 08, 2013

Dissecar um bolo de arroz





Desde pequenina que gosto de bolo de arroz.
O bolo de arroz, é aquele bolo, que não leva arroz, mas que se chama bolo de arroz. E é um bolo perfeito. Doce e dourado, com "rótulo" branco e letras a azul. À antiga.

Era eu uma menina pequenina e lambia-me só de pensar no bolinho de arroz que comia com perícia no café do Pinheirinho mesmo ao lado da minha casa.
Dissecar um bolo de arroz tinha muito que se lhe diga. Ou leiam só:

Primeiro retirava a película da base, com cuidado para não perder nem uma migalhinha do bolo. Quando esta tarefa era terminada com sucesso, passava à segunda etapa, etapa essa que me poderia vir a proporcionar de seguida o momento mais aguardado: a prova. O invólucro que envolve o bolo era também ele retirado com calma e carinho, devagar, devagarinho.

Momento de sedução. A menina a olhar para o bolo desnudado à espera da sua primeira dentada. Mas não pensem vocês que o bolo de arroz (que não leva arroz) se come assim, do pé para a mão. Não, não e não. Agora é o momento em que se parte o bolo de arroz em dois: "capacete" dourado e açucarado para um lado e "corpo vegetante" do bolo para o outro.

E está feita a operação. Primeiro come-se o corpo, depois a cabeça. Não costuma ser assim entre os adultos também? Segundas interpretações ao vento, é assim que se prova um bolo de arroz. E eu ando mortinha para meter a minha boca ao barulho com um, e de preferência com o meu velho à minha frente para eu te explicar como se faz ao vivo a cores.

quinta-feira, abril 04, 2013

O caminho?

                                                Vamos fazendo-o à medida que caminhamos.


quarta-feira, abril 03, 2013

Sem arrependimentos

Às vezes fecho os olhos e não durmo.
O exercício é feito para contemplar momentos que por um motivo ou outro me escapou por entre as horas dos dias. Todas as vezes que me deixo ir, apercebo-me de algo reconfortante, algo que me permite sorrir por dentro, abro os olhos e digo: não me arrependo de nada do que fiz na minha vida.

Tambem é verdade que ainda não vivi muitos anos, pelo menos é o que ouço quando me perguntam a idade, e eu lá respondo que estou na casa dos vinte, naquela número muitos antes do trinta.

Mas é verdade, não me arrependo de nada do que fiz na minha vida. Todas as opções que tomei, certas ou erradas levaram-me ai sítio onde estou agora, e eu adora o "agora". Há problemas, claro que sim, eles existem e sempre irão existir. Mas não passam disso, problemas com soluções, sejam elas mais fáceis ou mais difíceis. Não me arrependo das pessoas que até hoje passaram pela minha vida, das pessoas que se afastaram de mim ou daquelas das quais me afastei. Não me arrependo de ter trocado Londres por Lisboa, por ter desistido desta ou de outra oportunidade profissional, e muito menos das que tive e que deixei de ter quando assim o decidi.

Depois há os "pequenos nadas", aquelas pequenas decisões, pequeninas, pequeníssimas, não me arrependo de nenhuma. Nem das três fatias de bolo comi no Domingo passado. Inventar para quê?