domingo, abril 25, 2010

A profetisa das sensações

Vamos tornar os nosso dias menos solitários quando acompanhados. Vamos deixar de abrandar a perseguição dos sonhos que não sabemos revelar. Vamos fazer do medo condição que se mata com beijos ao acordar dados ao acaso por entre os lençóis. Vamos fazer do sorriso fonte inesgotável do espírito físico. Vamos fazer do Amor a Religião mais nobre, mais completa e mais duradoura. Façamos do leito catedral, do lar o confessionário, e do corpo o altar a adorar e refúgio do carinho animal. Vamos ter esperança e fazer dela a bandeira mais vibrante para que seja vista pelos olhos ávidos do Universo. Vamos fazer dos minutos, horas mornas, das horas dias sorridentes e dos dias nascerão anos cada vez mais ricos, cada vez mais frescos e cada vez mais frondosos. Esqueçamos aquele que deixa cair a pedra por orgulho, esqueçamos que já tivémos essa pedra na nossa mão, esqueçemo-la, lembremo-nos da mão que toca, agarra, larga puxa, envolve, amacia, dedilha, controla e deixa-se tocar, agarrar, largar, puxar, envolver, amaciar, dedilhar, controlar e sempre, sempre sentindo. Lembremo-nos da mão, porque quando os olhos já não conseguem ver, a mão sente por eles. A mão lembra-se do que é sentir quando nós achamos que já não o sabemos fazer. A nossa mão sabe o caminho, ela guiar-nos-à qual profetiza das sensações.

Mar

Saudades da praia. Ai que lamento sonhador aquele que sonha com o sentir do primeiro toque da planta do pé em areia fina ou grossa, não importa. Ah que loucura prolongada de prazer pueril, o da frieza do mar que sobe pernas acima, congela o corpo, aviva a memória, e é mordaz no corte que faz na barriga que nos faz esquecer de repirar. A frieza que mesmo assim aquece todo um coração sedento de consolo salgado de amar.
E a criança ama tanto, vai adiante, sobe a montanha amorosa que só ela conhece, toma as rédeas da fera oceânica e sente o frio a sorrir e a gritar como que no "toque e foge". E enquanto criança é assim, depois cresce e tem medo de sentir a frieza do mar, diz "não consigo" e faz caretas, vai entrando devagar, devagar até molhar a cabeça naquele mergulho feito de coragem acobardada.
Sintamos mais uma e uma vez. Sintamos a água gelada e espumosa na pele macia e agora arenosa temperada ao Sol. Percamos o medo da Dor essa maldita criatura que só tem força se a quisermos alimentar.

domingo, abril 18, 2010

A primeira viagem da pequenina

Ela pegava na mão pequena da pequenina e levava-a por entre as ervas finamente verdes. "Já falta pouco, já falta pouco". O caminho era curto, mas por saber que iria culminar numa surpresa parecia longo, interminável, inesgotável. A mão pequena e segura da pequenina escorregava, e a força exercida mesmo pouca, parecia capaz de esmagar a mão da menina, a mão e os sonhos sonhados para ela. O Sol lá no alto mas também longe anunciava uma Primavera fresca e demorada, "o frio já lá vai", agora que venha o quente, o mais quente e o laranja dourado do Verão que se vê nas cearas em trigo.
A menina de perninhas anafadas e baixinhas, fugia por entre uma ou outra flor que teimava em travar-lhe a caminhada, impetuosa e vaidosa como uma flor deve ser. A menina em surdina falava com elas: "não perdem pela demora, alguém virá ainda mais vaidoso que vocês e tirar-vos- à do vosso lugar, a Terra deixará de ser a vossa morada, e o Vento o vosso namorado para a vida.".
A menina parou porque a sua companheira de viagem parou antes dela, a sua guia olhou para o céu, deixando-se ficar a admirar a viagem das andorinhas que por ali se deixavam conduzir....e pensava "gostava de ser como elas, não saber como mas saber sempre para onde ir, mas já falta pouco para mostrar à pequenina as fadas mais mágicas que conheço. Mágicas pela sua cor, pela sua curta existência, e por conseguirem transformar-se em bailarinas sangrentas. Adoro-as...e ela vai adorá-las também quando vir o manto majestoso que prepararam para seu deleite.".
A pequenina estava cansada, farta de andar, as perninhas já trôpegas, a azeda nos lábios, o chapéu de palha com o laço branco que deixava fugir a franja cerrada e os caracóis longos e castanhos escuros, escuros como casco ardido, e brilhantes ao Sol, tal como a Lua brilha quando sobe ao altar nocturno.
Chegadas.
Vivas.
Como sempre devem estar, era isto que a mãe te queria mostrar "Apresento-te as papoilas".

domingo, abril 11, 2010

Escolham as vossas......

Há o doce que se gosta e o salgado que se deseja. A Luz que se adora e a sombra que se teme. Mão para dar e pé para repudiar. Voo picado para controlar e voo contra-picado para nos libertar. Ar para respirar e Terra para pisar. Veneno que queima e antídoto que refresca. Guerra interior e paz ganha sem esforço. Homem que quer e Mulher que é querida. Absolvição para uns e Pena para outros mais. Há magia no olhar e pragmatismo na concepção. Demagogia para os que não sabem nada de nada e frontalidade para os que sabem antever. Há a palavra que nem sempre se profere e a ideia que não nos abandona o pensamento vigilante. Sopro nocturno e Inspiração matinal. Peça que encaixa e Argumento que a guarda a sete chaves. Cor no acto e "preto e branco" na recordação do mesmo. Há Silêncio para a reflexão e música para a deixar fluir. Há liberdade e comodismo. E depois, há tudo aquilo que queremos que seja. É um história interminável que não se esgota nas frases feitas, nem nas que ficam por contar. Há o pesado que se deixa algures e o leve que levamos no coração. O quente dos dois juntos e o fresco do outro lado da cama. Há a harmonia sentida e a desarrumação controlada. Há o esforço para lá chegar e a leveza do ser que nada precisa fazer. Há o feitiço diário e a descrença que já lá vai. Há o deitar feliz e o acordar ainda mais feliz. Há o verso livre e o texto censurado. Há a película que aprisiona e o digital que engana. Há o sonho e o pesadelo, há o sono leve e a leveza ao acordar. E depois...depois deixa de haver o resto.

sexta-feira, abril 02, 2010

Como que em círculos

Os momentos que escolhemos para sermos felizes, recolhidos na doce contemplação do momento vivido são os que contam. Os que contam são os que recolhidos na doce contemplação do momento vivido, e de facto vivido e latente, cresce fresco mesmo depois de tanto tempo.
Os momentos que escolhemos para sermos felizes são os momentos que podem ter sido bons ou maus: se bons, recordamo-los para sorrir, se maus ,a escolha recai sobre o momento da superação, aquele momento em que reaprendemos a valorizar tudo aquilo que perdeu o devido valor. E é assim, simplesmente assim, fácil, leve e apaziguador. Fácil agora, mais difícil na altura, não fosse o tempo uma corrente de ferro que nunca, nunca se corta.
Tudo nasce do momento da escolha que fazemos sem que disso nos apercebamos, passamos o dia a fazer escolhas, hoje ou amanhã, aqui ou ali, assim ou assim, de lado ou de frente, contigo ou sem ti, sorrindo ou chorando, andando ou a voar, ao acordar ou ao deitar, agora ou daqui a cinco minutos, com manteiga ou queijo fresco, em casa ou na rua, porque sim ou porque não, por mim ou por ti, por nós ou por ninguém.
Perpetuar como que em círculos, fazê-los rodar, rodar com eles e para eles, fazer do violeta a junção do vermelho e azul, rodar com as cores, correr ao vento com elas, respirar o ar que agora é violeta e ontem era cinza, olhar o céu e ver coisas sem fim, ver coisas que ninguém vê, ou talvez veja mas não se atreva a dizer-nos.
Escolhemos o ser, a carne, e o espírito que é tudo menos santo, porque a santidade está no coração e não naquilo em que cremos. Devoramos o que há para devorar, esticamos o tempo concedido pelo som da harpa, vibramos com a imaginação feita acção ritmada, recordamos o dia, a noite, a hora e o minuto, do geral para o particular, do perfil para o sorriso aberto. Recordar, guardar, usar e preservar. Fazer do velho, novo, e tornar o novo nalgo mágico. Questionar e reflectir sobre o valor do abstracto e do concreto. O que vale mais? O que perdura? Será que escolhemos as lições a aprender? Pedir paz e lembrar que a paz começa em nós, no nosso coração e na nossa alma.