segunda-feira, julho 26, 2010

Hoje odiei o mundo por duas vezes

Desde o dia 15 de Junho que odeio o mundo. Faço sempre o mesmo caminho em direcção ao meu trabalho e o mesmo para regressar a casa ou a outro sítio qualquer. Tem dias em que odeio o mundo. Desde o dia 15 que ao mesmo tempo que me encaminho para o escritório vejo um homem velho, de cabelo e barba branca, com sacos de plástico numa ou em ambas as mãos. Nas mãos cheias que me parecem vazias. Mas só as mãos parecem vazias, olho-o sempre revoltada e fico triste, não sei o que lhe aconteceu, o que fez ou o que lhe fizeram. Não sei como e quantas pessoas magoou, não sei se mentiu, se maltratou, se roubou ou se matou sequer. Juro que não sei. Não lhe conheço a voz, nem a morada. Só vejo com o meu olhar entristecido que procura o olhar triste dele, e nesta procura terna de vidas fugidias fico sem saber porque odeio o mundo e por ele nada consigo sentir. Apenas sei do que vejo, e quando o vejo, olho-o a ver se me olha, procuro-lhe a íris mas ele olha sempre o chão e nunca as pessoas de frente, não sei se por vergonha, se por medo. Ele não me olha, e tem dias em que acho que se o conseguisse encontrar com o meu olhar que lhe conseguiria ler a alma e dizer-lhe sem palavras que não tem que fugir das pessoas. Um dia se o vir sentado no banco do jardim frente à igreja como também já o cheguei a ver, vou falar com ele. Devia tê-lo já feito. Hoje vi-o a caminho do emprego e a caminho de casa. Hoje vi-o duas vezes. Hoje odiei o mundo por duas vezes. E hoje não o consigo esquecer.

domingo, julho 18, 2010

Entre as linhas

poemas que se escrevem e que jamais serão lidos. Há cores inventadas e que jamais impregnarão uma tela. Há lugares do coração que nos esquecemos de procurar. Há medos que por mais que combatamos não se esgotam ao nascer do dia. Há verdades imensas, valiosas, donas da Humanidade. Há coisas que gostaríamos que fossem fáceis, e só o são se assim o quisermos verdadeiramente. Há partes de nós que são estilhaços que nos cortam a nós e aos outros. Há palavras que não queremos vir a precisar de dizer. Há caminhos que não queremos percorrer. Há que percorrê-los, a pé, a voar, contigo, por ti, ou apenas para te alcançar. Há sentimentos que se alojam nas encostas da nossa alma, tal como as rochas tumulares nas praias fazem alterar a morfologia do mundo. Há coisas que quando nos imaginamos sem, fazem com que o reino dos nossos sentidos se desmorone. Ritmo. Obra. Devaneio. Revelação. Inimaginável. Gesto. Obrigatório. Há o verso curto e há a composição escrita. As entrelinhas que foram inventadas para que consigamos descobrir o que deixou de ser visível, as frases feitas para nos redimir, e...as mesmas, capazes de nos condenar.

domingo, julho 11, 2010

É bom...

É bom quando chegamos, sentir que foi como se nunca tivéssemos partido! Também gosto da sensação de partir, e nesse mesmo momento vislumbrar a minha chegada. Por melhor que seja o motivo da ida, só é de facto bom, se tivermos uma razão ainda melhor para regressar. Sempre vi assim as minhas viagens. Fui sempre na intenção de voltar. Houve apenas uma vez que não o desejava, queria lá ficar, nem sei bem porquê...estava a gostar por demais da novidade e a achar que aqui no lugar onde tinha de ficar não tinha grandes coisas para fazer, a não ser continuar a aprender um pouco sobre tudo e nunca muito sobre coisa alguma. "Adolescentes" diz a irmã!! Mas a verdade é que voltei. No ano seguinte regressei pela mesma altura, os planos foram alterados à última da hora, peguei em mim, comprei um bilhete e meti-me no avião, queria desaparecer...mesmo que fosse só por 10 dias, mesmo sabendo que o longe é sempre perto demais. Voltei tristíssima por sair de lá, foi uma verdadeira tortura, mas voltei. Alterada. Tomei decisões, mudei tudo, desisti do que havia a desistir e formulei uma recuperação: nos entretantos fui celebrando a vida! Desde então a viagem que fiz foi por aqui mesmo, a do ano passado não conta...e este ano também não prevejo nenhuma no horizonte! Viajarei nos sonhos, que vou trilhar por entre caminhos feitos em chão de pedra dourada coberta por todo um manto feito de retalhos de alegria e cheiro a moringa. Além dos sonhos, viajarei com as palavras, nos intervalos dos esforços laborais, nas noites quentes e abafadas de Verão, nas manhãs cheias de esperança e frescura, nos entardeceres calmos e abraçados, sim o entardecer é capaz de nos abraçar: normalmente é nesse momento que o nosso coração se deixa inflamar.

sábado, julho 03, 2010

Manifesto ao Prazer

Creio que preciso de descodificar o prazer. Afinal o que é isso de "prazer". Sei sentir, mas não sei explicar. Não sei se coloque a questão em termos físicos, ou siga outro rumo que desemboque numa ressonância magnética à alma. O prazer poderá ser dor? Acho que sim. Pode gerar ou ser gerado por ela. Deveriam ser antagónicos, mas vejo-os um ao lado do outro, de mãos dadas. Porém, e é aqui que entra a grande questão: o prazer proporciona felicidade. Andamos todos à procura de ser felizes, mas dou por mim a olhar para isto tudo e a crer que procuramos de maneira errada. É como se a felicidade fosse uma meta e não todo o chão que pisamos até chegar a ela...A felicidade meus caros é algo que está sempre connosco, dentro de nós, e para onde quer que vamos, a felicidade está em nós, é tudo aquilo que somos, o que de bom nos alegrou e o que de mau nos fez mudar, mudar para melhor. Sejamos independentes e encontraremos forma de dar a quem precisar de receber. Talvez a questão à qual não quero responder seja "És feliz?", mas sim "Podes ser ainda mais feliz?", prefiro responder à segunda questão. E eis que me lembro do prazer, e nas suas variações, o prazer na dor como já mencionei, o prazer como escape, o prazer como manifestação sensorial dos nossos sentimento, ( a sensação de sentir...jamais esquecerei isso), o prazer como resultado explosivo do afecto que sentimos por alguém, o prazer em dar, o prazer de receber, o prazer da carne pura e dura, o prazer na vontade que se gera entre duas pessoas sem que precisem de fazer uma pergunta que seja, o prazer de um simples acordar silencioso, porém majestoso em gestos, o prazer de ouvir a voz de alguém de quem se gosta e que nos faz falta, o prazer em achar que há muito para fazer, por isso o que está feito se feito com prazer não precisa de qualquer recriminação. O prazer. Sintam-no, mas não façam dele um sedativo, não vejam no prazer uma sensação momentânea, um escape para os problemas da vida, problemas sempre teremos, resolvemos uns e logo surgem outros, com o prazer é a mesma coisa, deixamos de ter prazer numas coisas para ter noutras, e o mesmo com as pessoas, e o mesmo com as cores, e o mesmo com a felicidade, hoje sou feliz, mas amanhã quero ser mais!