domingo, junho 27, 2010

É de noite que os deuses descem à Terra dos Sonhos

Às vezes sinto que o dia presente, será o último dia em que usarei palavras.
Normalmente adormeço com esse pensamento. Durante a noite algo de mágico acontece. É como se me despedisse milhares de vezes de alguém, e no dia seguinte ele voltasse a aparecer na minha vida. Ao acordar, as palavras estão já deitadas a meu lado leves e sorridentes. De noite costumam acontecer coisas mágicas, os deuses descem à terra e ofertam-nos com os seus encantos, mas fiquem atentos, porque os deuses são caprichosos. É de noite que os deuses descem à terra dos sonhos. Pairam sobre nós, sussuram-nos palavras doces e tornam os nossos sonhos em matéria. Afinal de que são feitos os sonhos? Hei-de morrer sem saber a resposta, apenas a posso imaginar.
Imaginar e depois escrever, sendo que escrever nada mais é que reviver um momento que já não se repete, apenas o podemos voltar a imaginar, tentar decifrar pedaços da nossa existência e criar laços a partir daí. Laços que quando dados e depois recolhidos no fio da memória nos arrancam sosrrisos rasgados. É assim, doce e frenético...o sonho, o momento que se sonha. O meu último sonho foi uma realidade. Estava meia que a dormir, mas sem dormir verdadeiramente, digamos que estava naquele momento em que internamente travamos uma batalha entre vontade e necessidade, que nem sempre são a mesma coisa, mas quando são, é de facto um momento maravilhoso. E meia que a dormir, era chamada ao meu mundo por uma voz, ela estava ali colada ao meu ouvido, como que um zumbido, fazendo com que a necessidade fosse rebaixada pelo desejo, porque eu desejava ficar acordada durante horas. De repente, o zumbido tornou-se um grito, a distância que eu imaginava encurtou-se, e senti a adrenalina nos minutos que antecediam a abertura dos presentes no Natal quando era pequena. Saltei da cama, juro que saltei da cama para ver com os meu próprios olhos aquilo que os meus ouvidos me diziam. Não era mentira. A melhor prenda, pele com pele, voz com voz, toque com toque, sentir algo a crescer, o mundo poderia começar a arder nesse preciso momento que não daria conta, será que ardeu? Parece que parou de girar, ou então começou a girar mais depressa que nunca. A noite envolta tornou-se madrugada, os deuses por ali, sobre nós, por entre, de dentro para fora, entrando e saindo. Os deuses só nos deixaram quando afugentados pelos primeiros raios de sol. Para nossa sorte, nós ficámos, por uma vez, completamente a sós.

sábado, junho 26, 2010

Afinal do que é que não gosto

Ora aqui está um tema importante. Do que é que não se gosta...podemos não saber ao certo do que é que gostamos, mas é realmente importante sabermos aquilo de que não gostamos, digamos que é um atalho, que hoje em dia parece que "não há tempo a perder"!
Não gosto da palavra "não": parvoíce eu sei, mas não gosto de a usar, e muito menos de começar frases como acabei de fazer com a presente...também já não a vou apagar, não vou não. Note-se que além de não gostar de começar frases com esta palavra, também não gosto de as terminar. Onde é que ia eu..ah pois bem, do que é que não gosto...Não gosto de favas. Não gosto de enguias, vivas ou cozinhadas. Não gosto de não ter nada para fazer. Não gosto de ter coisas por fazer. Não gosto que me caia a pele, como me está a cair neste preciso momento. Não gosto que me batam na nuca. Não gosto quando tenho a certeza que pus uma coisa num sítio e quando lá vou cadê da coisa. Não gosto de Saramago, tenho muita pena que tenha falecido, mas não gosto do que escreve, como escreve e muito menos da entoação que dá (dava) às palavras quando falava. Não gosto da morte, da minha e dos que amo. Não gosto do cheiro do milho cozido. Não gosto de sapatos lindos de morrer, caros como o raio co parta e que magoam como se não houvesse amanhã. Não gosto quando os filmes que quero ver no cinema demoram para lá de três meses a estrear no Cinema. Não gosto de não ter imaginação para mais, e por isso mesmo escrever que nem uma idiota sobre as coisas que não gosto. Não gosto de iogurtes em que misturamos os cereais. Não gosto do preço das malas Louis Vuitton. Não gosto de música (muito) clássica. Não gosto de Tony Carreira, mas não é por mal, juro. Não gosto de falsas modéstias. Não gosto de meninas púdicas. Não gosto de meninos gays e que nem sequer gostam de outros meninos. Não gosto de "dominar" sobre um assunto. Não gosto de acordar tarde. Não gosto quando quero muito uma coisa e ela nunca mais chega. Não gosto quando me apetece comer alguma coisa e não percebo o que é. Não gosto de banana, nem de polvo, e de galinha que sabe a cânfora. Não gosto de "performances", nem "Arte" contemporânea que envolva acrílicos, saliva, pregos e guardanapos sujos. Não gosto de guardar segredos, mas guardo 'tá? Não gosto quando me quero explicar e as palavras vão a correr na direcção da outra pessoa antes de eu me aperceber e quando dou por mim já vou tarde. Não gosto daqueles dias depois do Natal em que rebolamos de casa em casa, e depois ainda nos sentimos cheios e temos de saltar e dançar muito, e pedir desejos na noite do ano novo (mas gosto do beijo que se dá à meia noite, embora nunca tenha dado nenhum ;). Não gosto que estraguem surpresas. Não gosto quando o ipod fica sem bateria e não tenho o cabo USB por perto. Não gosto quando tenho o nome da canção na ponta da língua e a filha da p*** não sai cá para fora. Não gosto quando no Telejornal dizem "as imagens que se seguem podem ferir a sensibilidades dos teleespectadores"...e mesmo assim mostram. Não gosto quando cortam a minha música na rádio com Publicidade. Não gosto de ver maratonas de séries em casa, como se não houvesse uma vida para viver, seja em casa, na cama, encostada à parede, ou até mesmo no supermercado a comprar sacos do lixo. De que é que não gosto mais...deixa cá ver...pois da guerra, da corrupção, da maldade, de doenças para as quais não há uma cura. Não gosto de perder, coisas e pessoas que amo. Não gosto de ser deixada para trás, não gosto de sentir frio, não gosto quando bato com o dedo mindinho no pé da mesa, não gosto quando mordo a língua e deita sangue pois, não gosto mesmo nada disso. E enfim, há mais coisas que não gosto, e possivelmente são muito parecidas com as que vocês não gostam, portanto este texto é ridiculamente fora de qualquer propósito e em nada vos vai enriquecer após a sua leitura. Não me odeiem, vá está bem só um bocadinho assim para o pequenino.

domingo, junho 20, 2010

Respiro entre Vento e Aguarela

(fotograma do filme, E tudo o ventou levou, 1939)
"Mais. Por favor."
Transbordo de sensações. Misto de embaraço e avidez, numa aparente calma movediça. Palavra como cor de aguarela aguada, ténue e translúcida.
E se a chuva vier? E se a impiedosa chuva vier e fazer desaparecer a aguarela da face da Terra. E se a chuva vier? Como é que se anda erguido debaixo da chuva? Aliás como se protege a aguarela para que não se misturem as cores?
Respiro. Por um pouco. A tela ainda ali está, a aguarela é que teima em secar.
E se fechar os olhos, por um momento que seja...será que o momento se esvai?
Abro as janelas para que a brise entre, se chegue a ela e num abraço fresco a faça secar mais depressa. O abraço descai num longo beijo entre apaixonados, o Vento e a Aguarela.
Respiro. Respiro mais uma vez. Nem sempre é fácil respirar, teima em sair, o ar amedrontado, mas mais não é possível. Respiro.
Gota de suór deslizante, entre os fios que definem os corpos. Respiro. Páro. Recomeço. Um respirar solenemente prolongado. E depois há aquilo que não se vê, que não se mostra, que não se materializa, a agurela não penetra. Respiro em pequenas doses enquanto o momento não chega.
Vento forte, capaz de destruir. Mas o vento é também elíxir quando chega em boa hora. A aguarela espera pelo vento, que é capaz de vaguear pelo mundo enquanto ela fica húmida e fresca entranhando-se na mais bela tela que quiseram pintar.
( E só escrevo porque ao escrever, respiro.)

sexta-feira, junho 18, 2010

Pessoas

Algumas gostam de sorrir. Outras de chorar a rir, outras preferem chorar antes e rir depois.
Pessoas grandes, pequenas, altas, magras, daqui e dali, viajantes do ar, da terra e do mar. Sonhadoras convictas ou idelistas inertes. Pessoas que gostam de pessoas. Pessoas que gostam de comunicar, de agradecer, de fazer sorrir. Pessoas que não temem, que vão em frente. Pessoas que sofrem, que já sofreram e mesmo assim não desistem, por saberem que o bom do sofrimento é que este termina eventualmente. Pessoas que dançam sem música. Pessoas com o dom de tocar um instrumento, ou de tocar alguém. Pessoas que antecipam, outras que se esquecem do que está para vir. Pessoas que deixam outras para trás. Pessoas que esmagam outras, pessoas que não pensam nos outros. Pessoas de quem gostamos. Pessoas com quem nos cruzamos, pessoas que nos cedem a passagem, pessoas que se aproveitam da nossa passagem pela vida delas. Pessoas que largamos, pessoas com quem vibramos. Pessoas a quem fazemos confissões, pessoas que esquecemos de nos lembrar. Pessoas que jamais esquecemos, outras que nunca nos esquecem quando delas já nada queremos saber. Pessoas que matam a fome que as atormenta com sabores de outros mundos, com sons de outros universos. Pessoas com sensibilidade, pessoas que nos abraçam, que nos sentem, que entram em nós e não queremos que deixem de se entranhar nos nossos poros.
Pessoas como tu.
Pessoas como eu.

domingo, junho 13, 2010

Passarinho na gaiola!

"Disseste-me tu!" Sinto as grades, as asas presas e o espelho que reflecte a imagem que não apetece admirar. A prisão que esgota, suga a energia, e cola as asas à carne que não se vê. E dentro da gaiola há o pauzinho suspenso por dois fios feitos de arame que o transformam num balouço, sinto o arrepio do balanço, o medo de cair...mas não caio, eu devia cair. Não percebo..eu devia cair. Uma coisa é não querer, outra é não poder, um coisa é ser, outra é algo que não sei o que é. Quero voar, pode ser baixo, naquele voo tangente ao solo que por timidez roça na ponta da erva orvalhada que arrepia a barriga ao toque, mas quero voar. Mas não consigo cair primeiro. Não rasga, não corrói, não verga, não expulsa, o que entra fica e não sai. Não corre, não parte, não estica, o que respira transpira e não molha. Bate as asas passarinho, que o gato está a ver-te por entre as grades da gaiola.

sábado, junho 05, 2010

A um passo da Eternidade

Já se deram conta da imensidão da vida que já se esvaiu?
Já se sentiram abençoados tamanha é a felicidade que contém o vosso coração, transbordando para lá da linha do Horizonte, desafiando a lógica, a convenção,... a normalidade.
Às vezes damos por nós a pensar que nunca somos os eleitos, que são sempre os outros os primeiros, que a nossa vez tarda sempre, mas depois quando chega sentimo-nos lisongeados, vingados, glorificados.
As dúvidas deixam de ser dúvidas porque a noite as desfaz na brisa da madrugada.
O quente do corpo ao nosso lado, adornece a nossa alma de sonhos felizes como que em catadulpa, a brisa instala-se, permanece, vibra e nós quietos, abraçados, respirando ao ritmo do mesmo compasso binário.
E tudo isto num encosto de peitos apertados um contra o outro, num jogo dançante que de calmo se torna cheio de movimentos e avidez, de sussurros e olhos que quando fechados vêem toda a realidade. E nesse mesmo encosto que se encaminha para outros lugares, o corpo fala a linguagem dos sentidos, do sentimento mais primário. As línguas secam de sede, os dedos das mãos tentam sentir vida ao tocarem a superfície do corpo que está à sua frente, ao entrar nele e ficar. As luzes, as sombras, a luz, a sombra, o desejo que encadeia, os olhares cruzam-se na antevisão da sensação frenética que pára e recomeça e que me lembra que estou a um passo da Eternidade.
E depois a calma, a reflexão, a vontade de sorrir, a vontade dar beijos incontáveis, de não arrancar o cheiro que se entranha nos poros, a vontade de não fechar os olhos por recear que aos abrir já lá não estejas, mesmo sabendo que isso não é possível, porque estás, estás mesmo.
O que se segue, o que acontece no dia seguinte...e depois e depois? É a Eternidade pois claro. Que se aninha no nosso dia a dia, que nos faz sentir falta do dia que já foi e do dia que está para vir. A Eternidade é a ideia de que somos capazes juntos, que podemos prosseguir, que a hora seguinte vai ser melhor que as anteriores, que os desafios podem vir que estamos cá para eles. A Eternidade é o espaço que se gera entre nós e que ecoa como um grito silencioso dos nossos corações. E eu espero, o tempo que for preciso.
A Eternidade é o que te dou, e é tudo o que tenho para te dar.