quinta-feira, dezembro 06, 2007

Hoje a caminho de casa

Hoje a caminho de casa, decidi apanhar o metro, nem sempre o faço, prefiro caminhar demoradamente pelas ruas nestes dias, são frios mas têm um encanto especial, o chão é cama feita para as atordoadas folhas secas das árvores que se abanam para delas se verem livres, e os pássaros corajosos voam vagarosa e destemidamente pelos céus mais próximos a nós. Hoje a caminho de casa, decidi apanhar o metro, tinha tempo, tinha bastante tempo mas fi-lo.
No metro também acontecem coisas. Entrei na carruagem que me escolheu na estação, e encontrei facilmente um lugar que me foi cedido pela ausência de alguém. Entrou também uma senhora, devia ter uns quarenta anos, era activa, mala às cotas, botas altas, camisa fina (“fina demais” achei eu). A senhora cativou-me. Não por ser bonita. Também não era feia, mas sentou-se estacionando o carro de uma criança à sua frente, notei que a senhora falava com alguém mas não percebi com quem, também não percebi o que dizia ao certo, eu ia de fones, esse vício irritante e pouco estético (não há nada mais sem graça que uma pessoa com dois fios a sair dos ouvidos). Como dizia, não percebi o que dizia mas percebi do que falava: era do seu filho. Era um menino ainda mais cativante, de olhar vago, que movia a cabeça de modo lento e pouco preciso, o olhar dele era compenetrado, tudo o chamava a atenção, desde a luz da carruagem ao vermelho dos bancos, e ele parecia oscilar entre uma presença ausente e um sono acordado. O menino é um daqueles meninos que “não é normal”, as mãozinhas dele também eram sinal dessa desobediência aos parâmetros mais sociais que humanos, os dedos pareciam querer agarrar algo que lá não estava (ou se calhar estava, e eu não conseguia ver). Hoje a caminho de casa, aquela mãe que enquanto falava e gesticulava (era tão engraçado vê-la do meu lugarzinho encostada à janela, eu uma “sua espia acidental“ ), ela não largava o seu menino que a olhava repetidamente pedindo-lhe atenção (pensei eu), talvez não, porque sempre que ele o fazia, ela retribua o olhar e fazia-lhe festinhas no nariz e nas bochechas. Hoje a caminho de casa, quando pensava que nada mais faria deste dia um”dia normal”, eis que chego ao meu destino. Levanto-me do meu lugar, e dirijo-me à porta para sair da carruagem, não pude evitar, e olhei o menino, quis despedir-me sem o conhecer, por coincidência (ou simplesmente porque alguém percebeu que este não era um dia normal) o menino olhou também, eu sorri (faço-o quando me sinto numa situação embaraçosa..pois não o queria olhar como todos os outros o olham) ele retribuiu, tal como fez com a mãe, e tal como ela fez com ele. Hoje a caminho de casa aprendi que se tivermos o coração aberto, tudo nele pode entrar, que as asas que julgamos cortadas nos permitem voar em todas as direcções, que a alegria dos outros é a nossa alegria, que se os planos que fazemos não se concretizam é preciso acreditar e dar lugar a outros…a dignidade nada tem a ver o “não saber cair” nem com “o saber levantar-se“, a dignidade tem a ver com o amor incondicional pela vida humana. Hoje a caminho de casa, e depois de apanhar o metro, seguiu-se o carro familiar (com familiares e tudo), e enquanto deixava o Campo Grande para trás reparei num avião que aterrava, qual pena que descai pelos ares em linhas horizontais: senti paz no meu regresso a paz, estou em paz.

8 comentários:

Prometheus disse...

Hoje a caminho de casa apanhei o metro como sempre faço... Cansado e atordoado pelo frio e pelo trabalho, a conversa com dois amigos entretinha-me. Percebi que tenho uma familia aqui, para além daquela outra que existe naturalmente. Pq há pessoas que se preocupam cmg e com as quais me preocupo tb.
Hoje a caminho de casa deu-me vontade de rever fotos de momentos que marcaram, que estão guardados cá dentro.
Hoje a caminho de casa senti-me bem junto dos meus amigos, da minha familia.
Hoje a caminho de casa dei valor à amizade.


A esta hora e dp de assegurar a execução de um trabalho de 30 paginas com o minimo de senso, acho que consigo fazer passar a ideia.
Há sempre estas pequenas coisas para tornar um dia diferente (ainda bem)

Belo texto princesa (tb já tive o meu sorriso embaraçado confesso)

Boa noite*

A Mona Lisa tinha gases disse...

LOL
Os Pais-Natal estão o máximo!

P.S.: Não ficaste sentida comigo por não ter ficado mais tempo contigo naquele dia, pois não? Não disseste mais nada!

Princess Aurora disse...

Minha nini, oh só para mim toda eu chateadona:fica sabendo que por causa de ti vi o grande "Eastern promises" só te tenho a agradecer..

Beijinho beijinho

Anónimo disse...

Puxa que coisa mais linda foste tu escrever, não é que me surpreenda escreves como falas, seduzes e encantas com a voz que tanto dizes odiar.
Sabes que mais, devias ir para diplomata!

Beijinho do To

Daniela Lopes Moura disse...

Tens a mania de fazer isto... Tens a mania de tocar as pessoas com as coisas que dizes. Já te tinha dito, mas repito, fiquei com lagriminha quando li o que escreveste.

Enfim, há momentos que são assim... são momentos que ficam.
Obrigada pela partilha.

Um beijinho

l00ker disse...

parabens por conseguires exprimir tão bem, momentos que nos deixam sem palavras.. ;)

Princess Aurora disse...

obrigada!
nem sempre é fácil quando nos vemos ser superados por um misto de energia positiva tão intenso que nos sentimos pequeninos, pequeninos (é bem mais fácil escrever sobre a tristeza do que sobre a felicidade não é)!?

1 dia depois disse...

É sempre mais fácil escrever sobre a tristeza porque a felicidade essa não a sentimos tantas vezes e a tristeza está ao virar da esquina.
Infelizmente deixamo-nos levar mais pela tristeza do que pela felicidade, não sei porque isso acontece, sinceramente não.

Felizmente sentimos a felicidade mas ela dura tão pouco, será que não somos capazes de a fazer durar? ou é mesmo assim que tem de acontecer?

Contribuis muito para a minha Felicidade. Beijinho Princesa

Bu