sábado, dezembro 31, 2011

Nunca fui uma entusiasta de noite de passagem de ano, porque sempre vivi este período com a ideia que tinha de começar tudo de novo, e nem sempre admirei a ideia da «estaca zero».
Porém, os anos vão passando, e a repetição de muitas noites de fim de ano, ensinam-nos que se encontrarmos a nossa própria forma de celebração: nada nos pode deter!
Por isso, inventei uma pessoa que se chama «Ano» e imagino-o a crescer e a morrer numa esfera de 365 dias. A vida dele, é mais ou menos assim:


Em Janeiro, acaba de nascer, é um ser frágil e que precisa de protecção e paciência, resmunga um pouco, e por vezes até se arrelia por estar tão no início.
Em Fevereiro, há aquela ideia que ainda passou pouco tempo, o tempo jaz na sua frieza, mas felizmente o mês é curto, e a esperança começa a ganhar espaço.
Em Março, as primeiras andorinhas trazem consigo a promessa de tardes mais felizes, fins de semanas frios mas já de olho na Primavera.
Em Abril, esta pessoa alegra-se, vai ver o mar, mesmo vestido da cabeça aos pés, e anima-se com os primeiras frutas da época, frescas e saborosas, e até com o sabor a chocolate que anima as férias da Páscoa dos mais novos.
Em Maio, já as borboletas se entrelaçam nas suas tranças, as tardes são mais longas, os violinos tocam e ecoam ao vento, e esta pessoa inspira-se na esperança de um Verão prometido.
Em Junho, é tempo de festa a bailarico, de cor e cheiro a chouriça assada, fazem-se planos para os meses vindouros, e diz-se olá às mangas à cava.
Em Julho, abre-se a porta às tardes na praia, ao cheiro a salmão grelhado com arroz de brócolos, as manhãs são inspiradas, e os leques começam a elogiar as faces ruborizadas das senhoras.
Em Agosto, vestimo-nos de cores e com saias curtas, os cabelos são apanhados, os pés respiram, e a pele está quase sempre em contacto com a toalha turca. A areia amacia-nos os pés, e o cheiro a mar é intenso e majestoso.
Em Setembro, a pessoa despede-se do calor com pouca convicção, mas já com vontade de regressar à malha, ao gorro e às mantas no sofá, agarrada à ideia de que as folhas ao cair das árvores tiveram uma vida rica e feliz.
Em Outubro, regressamos aos tons acastanhados, os dias ficam bem mais curtos e frios, os gatos aninham-se ao nosso colo, e fazemos refeições mais pesadas e demoradas.
Em Novembro, são trocadas juras de amor. A pessoa está mais feliz que nunca, e passa o mês a celebrar pelas coisas mais pequenas, o mês fica feliz com a nossa felicidade, os passeios dos velhos sucedem-se e a luz das estrelas abençoam-nos.
Em Dezembro, é o mês feliz, com cheiro a papel de embrulho e fitas enroladas, a árvore montada relembra-nos a infância, e ficamos com aquela sensação de que estamos mais perto de um fim que nunca o é.


Assim é a vida do «Ano» que se renova de 12 em 12 meses, vive intensamente e nunca se deixa ficar. Nesta pessoa, revejo-me e materializo sensações e emoções. Os meses mais felizes são os últimos porque não temem o seu fim, já que viveram verdadeiramente como dizia alguém que já se foi.

segunda-feira, dezembro 26, 2011

Foi assim

Fiz uma sesta. Estava exausta. O Feliz Natal já lá vai, e eu que gosto tanto do Natal, tenho medo de o deixar ir para só voltar no próximo ano. Trabalhei no Sábado e no Domingo, e mesmo assim houve tempo para todas as coisas importantes. Essas mesmas coisas, este ano foram ainda mais especiais, porque o tempo estava aprisionado pelos ponteiros do relógio.
Sábado acordei muito cedo, tomei pequeno-almoço com o meu marido, dissémos um ao outro que as horas iam voar, e que quando eu regressasse a casa, iríamos ter o melhor Natal de sempre. E assim foi. Quando regressei, ele já estava à minha espera, beijámo-nos e foi como se o frio deste Inverno se desfizesse em bandos de pássaros a escvoaçar pelo céu ainda muito azul. Démos um passeio pelo parque, as árvores escuras e despidas, o cheiro a silêncio impregnado e apenas quebrado pelo aroma a eucalipto que fazia daquela tarde, uma tarde remota, perdida em anos e anos de História. Vimos o lago, os patos à espera do autocarro, e regressámos a Casa para nos aninharmos na moleza do sofá. Os gatinhos vieram ter connosco, um mais que o outro, e ainda nos rimos da birra da irmã mais velha. Comi chocolates e fomos para casa dos meus pais. A magia da quadra é de facto, arrepiante, o cheiro a azeite e a bolos, o contraste do verde das couves com o branco do bacalhau. A partilha de memórias, o meu cãozinho que estava notoriamente feliz por passar mais um Natal na nossa companhia. Os mimos que lhe fiz ao final da noite, e que me consolaram a alma por mais não sei quantos anos, mesmo que ao longo desses anos ele decida ir passear para outro reino que não aquele em que eu vivo. A noite seguiu, entre as luzes, o barulho da televisão, a cascata de açúcar que descia pelo meu organismo, o cheiro a café nas canecas mais estranhas do mundo. Chegou a hora da troca de presentes, antes da meia-noite, mas que se prolongou pelas primeiras horas do dia 26. As surpresas, as alegrias, os sorrisos! O desfazer dos embrulhos feitos de forma tão delicada e sem qualquer tipo de pretensão. Regressámos a Casa. À nossa casa, os meninos à espera mas com os olhinhos a querer fechar. Voltámos ao sofá, agora menos molenga, e por lá ficámos a trocar os nossos presentes. O nosso momento chegou, e melhor não podia ser. Não há nada melhor que receber amor, depois de sabermos que o démos, sem nenhum sentido de obrigação, sem rigor, sem regras, sem interesses, apenas démos o nosso amor um ao outro, feito de coisas que nos dizem muito e nos remetem para aquele lugar quente e cheio de luz que é o nosso coração.
Amanheceu, depois de uma noite descansada e abraçada. Seguimos para casa dos pais dele, desta vez já sem presentes, e apenas com frio. Muito frio. A azáfama começou a instalar-se, o frio era derrotado pelo calor emanado pela lareira da sala. O cheiro que vinha da cozinha, era no mínimo desarmante. O majestoso perú, recheado com coisas maravilhosas. O puré de batata feito pelo meu amor, o arroz feito pela senhora sua mãe, e que me fazia repetir garfadas compulsivas. O desfilar de bolos e doces, que a certa altura me fazia desejar ter um estômago maior que a minha gulodice. A sensação de enfartamento e moleza, a falta que o Golias estava a fazer. O regresso para Casa com frio e sono, e o sofá que reconfortava de novo. Saí e fui para o trabalho, desejosa que as horas passassem a correr e eu pudesse regressar para os braços do meu marido. E cheguei. Dormi. E acordei 5 horas depois para começar a trabalhar. Regressei e quem me abriu a porta de Casa foi a outra parte do meu coração. Agora anseio pelo fim de semana em que o ano muda. Dois dias só para nós. Há quanto tempo não tínhamos dois dias assim?

quinta-feira, dezembro 08, 2011

É Natal outra vez

Andamos o ano todo à sua espera, como se no Verão fosse uma data longíqua, e no Outono uma coisa que «ainda demora». Mas o tempo voa, e na sua viagem o espírito apazigua-se, e percebemos que é Natal outra vez.
A festa ganha várias formas consoante os anos das nossas vidas. Altera-se, muda a sua composição, metaforseia-se, ganha asas com mais penas, mas descansa sempre na memória, e vive sempre no nosso coração. O mês de Dezembro reveste-se de dourado, verde e vermelho. Luta levemente pela beleza e o espírito alegre, condições essenciais para uma viagem ao passado.
Neste dias, recordo a nossa infância, as festas de Natal nas escolas, o cheiro a doces fritos, entrar nas pastelerias e ver bolos-rei nas montras tão grandes, que mais pareciam uma ilha do tesouro repleta de jóias incrustadas.
Nestes dias recordo autocolantes com pais- natal gorduchos, e bonecos de neve sorridentes. Nunca percebi porque sorriam tanto, se não podiam sair da entrada da casa, na noite da consoada...
Nestes dias recordo a fita de veludo a prender-me as mechas de cabelo que tendiam a encaracolar, recordo a chegada do meu pai ao final da tarde do dia 24, porque nesse dia «faziam-se bons negócios».
Nestes dias recordo a alegria da minha mãe, que chegava a casa com um grande saco repleto de presentes, e os arrumava debaixo do pinheirinho, e recordo ainda a ansiedade que me fazia sorrir a toda a hora. Nessa altura, achava que a felicidade era aquela noite, aquela e mais nenhuma.
Recordo ainda o cheiro a papel de embrulho, a biscoitos com chocolate e doce de morango, recordo o cheiro a azeite, e o cheiro da fita-cola à espera de ser cortada. Lembro-me de ver velas a arder, de mal conseguir dormir na noite de 23. E eu acordava, e pé ante pé, ia à janela para ouvir passarinhos a chilrear, e ao longe cantavam galos nos poleiros nas quintas escondidads pela mata.
Recordo-me de olhar para o céu, ainda feito daquela matéria etérea dos sonhos, e as últimas estrelas pousarem ainda a vigiar o nosso amanhacer, e lembro-me de achar a coisa mais bonita do mundo.
Mas o tempo passa, e as recordações ficam...algumas, e há que diga que todas, e agora é tempo de novas recordações, mais recentes e mais vivas que nunca. Nos dias que correm o Natal é cheiro clementinas, é o picar dos dedos nos azevinhos, é imaginar o meu cão, e lembrar-me de que como ele me seguia quando eu era pequenina. Nos dias que correm, são os meus gatos que chegam quase sempre junto a mim, e felizes mostram-me todo um novo mundo.
Hoje as recordações são diferentes, porque mais próximas e moldadas à minha nova vida.
Hoje, o Natal é um estado de espírito, é saber que posso ajudar, comer pais - natal de chocolate à noite, e fazer bolos caseiros. É o cheiro a açúcar e ovos, é o pêlo macio dos meus gatos, o sorriso do meu marido quando chego a casa.
O Natal, são as coisas que partilhamos um com o outro, são os nossos passeios até à Praça de Londres cheios de frio, mas felizes porque temos tempo um para o outro. O Natal, é a árvore vermelha plantada de luzes e alegria, o cheiro a castanhas assadas aninhadas na folha de papel enrolada, tal como o nosso abraço apertado no regresso a casa.
O Natal somos nós, juntos, cientes de que temos toda a vida pela frente, e muitas datas destas a comemorar. Somos nós que começamos a coleccionar memórias e pendurà-las na nossa árvore, como se nela pudessem caber todos os nossos sonhos e todo o nosso amor.

segunda-feira, dezembro 05, 2011

In, CEGO,SURDO E MUDO

Uma amiga escreveu sobre mim e o «driver» no seu blog. Fiquei tão comovida, que não tinha como não partilhar.

O passeio dos velhos

Ela sorri quando fala nele...Ela ri quando pensa nele e nela... Ela gosta de bolas de Berlim e de pão de Deus, e eu quase que aposto que ele gosta de a ver comer. Ela gosta da ideia de 'para toda a vida'... Ele assina por baixo sem pestanejar. Ela podia ir de transporte para casa ao cair da noite, ele gosta de ir buscá-la, apesar do frio e da hora. Ele acorda cedo para trabalhar, ela acorda cedo para tomar o pequeno almoço com ele. Ele come marmelada, ela não gosta mas fotografa e publica no mural de quem a fez. Ele é alérgico a gatos, ela tinha uma gata e ele não desenvolveu qualquer alergia. Eles gostam de caminhar pela rua onde vivem. Eles gostam de comprar pão e de dar o 'passeio dos velhos'. Ela ri quando fala nisso, ela gosta de saber que têm tempo para caminhar. Eles têm a estranha certeza de que, ainda que o mundo esteja a terminar na rua ao lado, ali vão sempre poder continuar a comprar pão. Mesmo que a vida esteja de cabeça para baixo, os gatos vão continuar a precisar de sacos de areia. E eles vão ter, necessariamente, de continuar a aproveitar as folgas dela para tratar dessas coisas.Porque é preciso pão, porque é precisa areia... Ela adora o apartamento onde vivem, ele pela certa adora que ela adore. Eu gosto dela... Eu não o conheço a ele. Eu gosto que ela fale nele porque ela gosta dele. Eu gosto dele, porque ele lhe faz bem... E quando ela brinca, e explica o passeio dos velhos, como se nele estivesse o segredo da felicidade, eu acredito, por breves minutos, que ela tem razão... E o pão até pode estar frio, e a areia até pode não ser aquela. E pode já não haver bolas de Berlim na padaria, e pode só já haver uma colher de marmelada no frasco. Ainda assim, ela ri quando fala nele e ele está lá para caminhar com ela... Porque ela gosta dele, e ele gosta dela.