" O mundo era uma ilusão que tinha de ser reinventada todos os dias."
Paul Auster
A vida interior de Martin Frost assume-se como adaptação de um romance, ou melhor parte de um romance de Paul Auster. Deste modo, autor de livro e realizador de filme assumem uma mesma identidade, pemitindo uma intromissão mútua nos diferentes suportes artísticos, intrmissão essa que se revela falhada. As duas "personas" parecem perder-se na passagem da palavra à imagem, e o muito que revela o livro ( uma obra sobre um realizador de cinema mudo) esbate-se e desaparece no filme, fazendo nascer uma outra história vazia e confusa.
Esta "vida interior" arrisca enveredar pelo mundo fantástico da mente de um criativo, mas falta-lhe fôlego, ritmo, e nem o poder das belas imagens bucólicas salvam determinados momentos, bem pelo contrário, fazem com que o filme se arraste ainda mais por um caminho tortuoso e confuso, e muito pouco apelativo.
A premissa é a história de um homem que escreve uma história sobre um homem que está a escrever uma história, e é essa história dentro da história o filme em si, a existência ou não da dita musa, pouco interessa realmente.
O filme pode mesmo dividir-se em duas partes, uma muito difícil de assistir e uma segunda parte com a chegada da personagem "Fortunato", que transmite alguma comicidade à la Beckett, na relação que estabelece com um "familiar" seu, mas por se revelar como algo imposto, traz consigo grande dose de inverosimilhança.
A obra não funciona como drama e muito menos como comédia, tendo um elenco reduzido, David Thewlis é comedido, mas não por isso a pior interpretação, deixemos essa para Irène Jacob que é neste filme ser sem vida e dinamismo (e não pela sua condição de musa), que ao querer transmitir jovialidade e alegria, oferece-nos um desempenho esforçado e pouco credível.
O filme em si traz consigo "marcas de autor" , e são alguns os pormenores que não servindo para elevar o filme não o deixam porém ficar pior do que aquilo que já é. Para os que leram o romance muitos são os pormenores decorrentes do mesmo, aliás a sua presença é marcada com a insistência do narrador em fazer avançar a história a partir de parágrafos que nos vai lendo d'A casa das ilusões, bem como algumas particularidades visuais que nos remetem também para a leitura do mesmo.
São curiosos os separadores de cenas, com imagens de objectos aliados à voz do narrador ( a quinta personagem) que nos remetem (talvez inconscientemente) para alguns quadros de Magritte nos quais palavra e imagem não correspondem àquilo que vemos, algo para o qual somos chamados à atenção a toda a hora.
Outro pormenor para os mais atentos prende-se com o gosto de Auster por jogos com nomes, ora vejamos, no romance Auster faz toda uma ligação entre um nome e o significado desse nome traduzido de uma língua para a outra, no filme há dois jogos, um implícito e um outro explícito, o implicito prende-se com o nome de família dos amigos de Frost, "Restau" leia-se "Auster" ao brincar com as letras, e explicitamente com o nome "Berkeley" o nome do filósofo e da Universidade que dá azo a uma das piores cenas do no filme, porque o espectador sabe atempadamente o que se vai passar, o que seria um exercício interessante, mas aqui revela-se frustrante e aborrecido, digamos que é como dar um jogo para crianças até aos 4 anos a uma de 10!
Salvando o acompanhamento muscial de Philip Glass que confere maior beleza ao travellings pelos pinhais lusos, a importância do emprego do preto e branco na tentativa de imortalizar a imagem da musa ausente, e a cena mais que "brechtiana" (leia-se " a cena da porta") entre os protagonistas, o filme falha o objectivo, por não se mostrar tão apelativo quanto o livro, mas mais do que adaptar parte(s) de um livro, eleva o romance, pena que essa elevação traga consigo a vontade de se querer esquecer o visionamento do filme.
1 comentário:
Arruinaste todas as minhas ilusões acerca deste filme! Mas ao menos já não caí na asneira de o ir ver, isso sim seria a verdadeira decepção! :(
Enviar um comentário