Não avisa porquê, não avisa quando, não avisa que vai avisar, instala-se apressadamente, como se fugisse de algo, como se corresse para algo, dói demoradamente, a princesa cai, é levada para o leito real, chegam-se todos um pouco..."vai passar, logo, logo!".
Podemos pensar que nos enfraquece, mas não o creio.Com ela sinto-me mais viva, mais capaz, de certo modo mais alerta e mais solicitadora de interferências.
Dói.Dói bastante, à custa disso dou mais valor ao estado contrário, sei que não me limito a respirar, a roubar o ar dos outros, a usurpar o perfume lilás do frasco transparente. Primeiro um cansaço repreensível. Um suor frio. Ignora.Um pressentimento calculado.Uma noite passada em sobressalto.Um desejo por realizar...e finalemnte a primeira dor, física, carnal, dilacerante, quase vislumbro um bisturi cortando finamente a camada exterior de pele, o corte é firme e preciso, a carne rija e esticada, o arrepio é controlado, chamem-me naturalista. Ignora. Acordo. Os ponteiros do relógio esperneiam quatro e meia da manhã em sinal de protesto por ter aceso a luz.Que faço eu? Deixo-me ficar, mexo na barriga, não há sinal de nenhum corte, sangue não há, bisturi nem vê-lo: "talvez debaixo da cama??!...", não não está lá nada, apaga a luz!Ignora.
Amanhã o dia é longo, tanto por fazer.Continua a doer.E se eu chamar...e se eu apenas me deixar estar, assim quieta, quieta, no vazio da escuridão, sozinha comigo mesma. O que me apetecia mesmo era ficar inconsciente, latente, nobremente adormecida.Ignora.
Eu ignoro, não te preocupes.
Oito da manhã e mais não consigo, sinto uma mão fria na testa real, que por ela passa mais do que uma vez, em movimentos ternos e macios...vou sentir tanto a tua falta...a mão está docemente aflita, vou sentir tanta falta...Gosto de ti, é verdade que sim, tens uma mão tão bonita e presente, é a mão mais bonita do mundo.A palma rosada, as unhas por limar, são insubstituíveis, vou sentir tanto a tua falta. Ignora.
Desta vez não consigo.
Não estou aliviada mas tenho quase tudo o que preciso, amanhã há mais.Hoje já não tenho forças.Não tenho que fazer, até tenho, mas só me apetece fazer aquilo que não é urgente, aquilo que pode esperar, ah vejo-te outra vez, minha cidade amiga, minha confiante sedutora, minha tranquilidade citadinha, minha neve em Fevereiro, minha friorenta em pleno jardim das traseiras, volto um dia!Ignora.
Chorar não, não preciso, se o quisesse já o teria feito, não acredito na intelectualização da sensação que se transforma em sentimento, parece um processo científico, elaborado entre tubos de ensaios e experiências mal pensadas, feitas por cientistas loucos e filósofos frustrados, acredito sim na expressão do sentimento em palavras, na intuição, no estalar dos dedos como se se espalhasse brilho por entre eles, acredito no olhar, e que as minhas palavras cantem tudo o que não disse, o que não digo ou o que nunca direi...um dia digo-as e deixo as palvaras escritas esquecidas numa caixa de Pandora!
Dias tão diferentes, uns tão bons e outros tão maus. Ir para longe...ignora.Vou ficar, cobrir-me até ao pescoço, beber o chá de limão quente e doce, amarelo e forte, que não sei se faz bem, só sei que sabe bem.A dor vai dissipar, dissipa sempre.
"Dorme mais um bocadinho menina, a mãe chega mais cedo hoje e traz a fruta que pediste."
Acendo a luz, está um fio de cabelo na mesa de mármore, deixa ver melhor (o que eu faço para não sentir)...acho que é meu, infelizmente não tenho comigo o estojo do C.S.I que o Horatio me deu de presente de aniversário. Quando terá ele caído..porque é que caíu em primeiro lugar?
Ainda bem que sirvo para mais do que isso.Ignora.Ignora. Quando doer menos sento-me ao computador e passo estas linhas para o écran.
Até lá, ignora.