Apetece-me escrever hoje, Segunda feira de manhã, e dou comigo a chegar à conclusão de que estou sem assunto. Mas e não posso escrever sobre o facto de não ter assunto?Não é isso no fundo um assunto: o "não ter assunto". Eu acho que sim, e a parte de mim que já bebeu café concorda, e por vontade da maioria temos assunto: "não ter assunto", ao fim e ao cabo é legítimo...
...
(EU OLHANDO INCRÉDULA PARA O MONITOR)
...
Ah! Ontem ouvi uma música que me ficou no ouvido, às tantas coisa e tal a voz feminina dizia na língua dos bretões: "Chega-te mais um pouco...eu tomo conta de ti..." e continuava " ...a tua reacção á minha acção, era tudo o que eu queria ver...", não soa muito bem traduzido à letra bem sei, por isso é que me encontro neste exacto momento a escrever sobre coisa alguma.
Mas e porque raio é que no messenger, em vez de escrevermos o nosso nome seja ele "Maria" ou "Bonifácia"( como a minha piriquita, que já enterrou dois seus semelhantes), optamos antes por escrever alcunhas idiotas e sem significado algum, coisas vazias, aquelas frases clichés (em inglês), ou frases diga-se assim, um bocado, vá lá...PARVAS!
Eu própria dou comigo a escrevê-las: chama-se partilha de pensamentos.
Bem deixa-me lá ver as horas, incrível passaram-se exactamente cinco minutos e ainda não consegui produzir nada de de produtivo efectivamente ( uma redundância usada propositadamente que realizei no intuito de "queimar"( mais uma figura de estilo) alguns caracteres), ah e o uso de advérbios de modo é consciente, tornam o texto mais válido.
Estou eu aqui a blá, blá, blá, a ver se tenho piada, mas ah no outro dia estava eu no Alvaláxia e deu-me assim vontade de ir a um, como é que se diz?? WC, que naquele lugar parecem umas salas de tortura soviéticas mas em "amarelo canário" que servem de anestesia visual, e que quase, eu diria que quase, nos fazem perder a vontade de lá ir fazer (seja o que for)..diazia eu, que ía para entrar e nisto vejo uma senhora (reformada) à porta, eu igonorei-a como tão bem sei fazer, e comecei a abrir a dita da porta, então nisto a senhora demove-me com todo o seu emepnho e engenho "Oh menina está ocupada!Entrou lá UMA senhora"...silêncio ( ) da minha parte, naquele preciso momento apeteceu-me escalfar um ovo ( a mente tem destes preciosismos), "mas minha senhora existe mais do que UMA casa de banho lá dentro, pode comprová-lo se tentar rodar a maçaneta, vá agora sem medos..", a senhora incrédula mas infinitamente espantada face a tamanha circunstância, lá foi à sua vida..eu, entretanto fui atacada pelo amarelo e pensei: "oh que se lixe, fica para a próxima".
Veêm? Mais um bocadinho e escrevo sobre qualquer coisa de carácter filosófico-político, numa de pseudo-intelectual de esquerda tão próprio da minha geração.
Quem me dera terminar com uma tirada de génio, qualquer coisa como: "O propósito do Amor é amar.", citação de Oscar Wilde em De Profundis.
Mas o máximo que consigo hoje é: José Cid tem um álbum de rock progressivo.
Deixo-vos agora com este meu pensamento que certamento escreverei no messenger, espero que reflictam muito, tanto até também a vós vos apetecer escalfar um ovo, tomem banhinho, cuidado com as castanhas podres, e como dizia uma sábia amiga "façam o favor de serem felizes!" e se vos fiz perder tempo, oh pelo amor da santa não me vão culpar por isso também!!
Assim sim.
Deuce.
Deucement.
Lg
E porque tudo o que vejo, vejo como nos filmes. E porque tudo o que fazemos e sentimos pode ser recordado nas asas de um caleidoscópio em pleno movimento. Se há "acção" eu revelo por aqui.
segunda-feira, outubro 30, 2006
sábado, outubro 28, 2006
Children Of Men ("the last one to die please turn out the light")
Distopia é a existência de um mundo onde tudo é negativo.
Alfonso Cuáron leva-nos a ver o nosso mundo negativamente, retirando tudo o que dele no poderia fazer sorrir.
Amar quem?
Amar porquê?
Amar a quem?
Sentimos a tristeza no vaguear de uma população triste e cansada, sentimos a tristeza da terra infértil e seca pelos pés de Clive Owen.
Revoltei-me comigo própria, com os filhos que ainda não tive, com os filhos que nunca serão pais, com os pais que nunca serão filhos, revoltei-me com a ideia de que um dia me tirarão a razão de viver... "creseci e multiplicai-vos", de que nao terei a oportunidade de ver a minha carne nas feições de um outro ser, de não sentir as suas mãozinhas a puxar-me o dedo indicador, de não ouvir o seu riso, de não o poder proteger dos males do mundo, de ter o poder para afugentar os pesadelos, de lhe ler a estória antes de dormir.
No fundo revoltei-me com o facto de me dizerem "The last one to die please turn out the light"...vazio..., o som do silêncio que perturba, a venda do "quietus" como resposta profunda e consoladora, o ranger da porta como destabilizador catalizante de sensações...arrepio na coluna.
A fé que se perde, a camara que não limpa o sangue, o grito de dor, o choro pelos 18 anos que mais uma vez despedaçam o coração fraco de lutar, mais uma batalha perdida, mais uma lágrima que não se chora..." ele tinha os teus olhos.."
Pára, recomeça..
"Eu tive uma irmã!"
Children of men é poderosamente poderoso, perturbador e realista, uma realidade à qual não percebemos que lugar ocupar, que não queremos ocupar. Prefiro pensar que o meu futuro se condensará numa utopia na qual caminho para a perfeição, no qual as maçãs são vermelhas, na qual posso profetizar a minha fé no meu sangue, no qual posso optar e partilhar, partilhar sabe tão bem.
Alfonso Cuáron ( o meu próximo génio) faz algo que para mim era até ontem inimaginável, conjugar medo, milagre, arte enclausurada, autocarros londrinos futuristas mas curiosamente iguais aos dos nossos dias, e um porco insufável que vagueia na janela de um ministro...a arte aprisionada, mutilada, "animals" de outrora, para quem ainda se recorda, ou para os que nunca esqueceram.
Saí da sala atordoda, acho que com dores de cabeça, pensativa e curiosamente hoje numa igreja enquanto assistia a uma dessas consagrações da nossa cultura religiosa, dei comigo a pensar.."no mundo de Theodore isto jamais aconteceria...", perdidos!
Não me deixem perder a esperança, não me deixem esperar pelo barco na manhã enovoada, nao me deixem sozinha num apartamento a beber café, não me deixem...não vão...não me deixem apagar a luz.
quarta-feira, outubro 25, 2006
Little miss Sunshine
Estanhamente traduzido para "uma famíla à beira de um atque de nervos" Little miss Sunshine é até agora a minha comédia do ano: simples, inteligente, prática e disfuncionalmente coordenada.
O elenco parece escolhido a dedo, são só actores a quem os papéis oferecidos costumam ser secundários, um tantas vezes menosprezado Greg Kinnear (toda a gente já viu um filme com ele) , a calma vibrante Tonni Colette, uma pequena grande menina chamada Abigail Breslin,Steve Carell "O Grande" depois do Alexandre...
E todos eles num filme onde não há protagonistas, ironia do destino, cada personagem vive o seu drama pessoal numa família muito pouco ortodoxa: um adolescente que não diz uma palavra há 9 meses, um paí rígido e controlador, um avó viciado em heroína, um tio homossexual e que à conta da má sorte tentou o suicídio e para mal dos seus pecados...falhou, uma mãe que só quer proteger quem ama, e uma Little miss Sunshine, com um sonho grande demais, mas que concretiza mais ou menos...mesmo adorando gelados de chocolate:
"Can't touch this!"
E todos metido numa viatura, numa longa viagem, muito atribulada, que tem como único propósito um concurso de misses infantis, que mostra tão bem a mentalidade americana, "o sonho americano" ou melhor, aquilo que as mães ambicionam para as suas filhas, a plasticidade, os sorrisos, o reconhecimento e muita, muita laca!!Mas lá está o grande objectico do filme não é espelhar a América, mas sim resolver os problemas latentes numa família, o concurso Little miss sunshine, não é o fim, mas sim o meio!
Gostei desta obra, por ser simples e caricata, muito pouco estereotipada, o humor é retirado da simplicidade das acções e hilariedade das situações, uma "pão de forma" que só mete a partir da terceira e que com o calor queimou a bozina que agora toca initerruptamente ao longo da auto estrada.
No fundo Little miss sunshine é daquelas lufadas de ar que surgem, numa altura em que o que está a dar são filmes para adolescentes, cheios de hormonas, sangue e porrada da boa e da grossa...vem esta coisa amarela, a destoar, a iluminar..e a fazer-nos ver que se calhar a nossa família até é bastante "normal".E não há nada que o amor e um bloco de notas não resolva...mesmo quando no meio da confusão alguém fica parta trás...
Não me surpreende nada em ver esta obra de algum modo não esquecida nos óscares deste ano, não é que hoje em dia a nomeação tenha muito valor, porque há muita coisa em jogo, mas que merecia, merecia...mas como é uma comédia o melhor é não contar com muito..
Não quero entrar em pormenores, mas vão ao cinema, vejam por vocês próprios, nao quero estar aqui a debitar isto e aquilo sobre as coisas de que gosto, o que quero mesmo é que vão ao cinema, ou não..mas vejam coisas que dão que pensar, que enchem uma tarde ou uma noite..essa é a magia do cinema, é deixar-nos entrar num mundo diferente que nos faça ver o nosso com outros olhos...é para isso que ele existe..é para isso que a Arte existe, se não fosse a arte (seja qual for o seu suporte) a vida era tão monótoma e as nossas mentes estavam já tão atrofiadas.
terça-feira, outubro 24, 2006
Chegou o carteiro!!
E é tão bom ouvir:
"-Chegou o carteiro!!Cartinha para a menina!!"
Não foi bem isto que aconteceu comigo, mas faz de conta..eu faço muito de conta.
O envelope branco, sozinho na caixa escura que nem sequer abre como deve de ser..os olhos a procurar-me por entre as grades inferiores, eu a lutar sofregamente com o garfo (vá-se lá perceber) para os retirar da mulralha!!
O carteiro não chegou a tempo, mas chegou, aliás melhor que ele, chegaste TU, só tu, e és tudo o que me inetressa, tudo o que interessa.
Eu a salvadora! Quem diria!!
"Nunca a palavra Amo-te fez tão sentido!!" Tu sabes...
Por ti.Por mim.Pelo mundo.Pelo postal. Pelo vento que hoje está revigorado. Pelos anjos bons que exijo como menina grande para que sigam os teus passos, pelos anjos maus para que não se alimentem da tristeza que possa por vezes atravessar-se pelo nosso caminho.
Por tudo isto não te preocupes que eu nunca perderei a esperança, prometo.
domingo, outubro 22, 2006
Feliz Aniversário
Há relativamente pouco tempo disse a um alguém que na presença das suas palavras me via como um vitral de uma igreja gótica, enquanto o via a ele como um simples vidro de uma janela, límpido e claro como água, eu escura como vinho...
E nisto pensei durante muito tempo...tempo que não volta, que se perdeu a cada instante que passou, e que já não pode ser vivido.
Ontem celebrei duzentas e dez mil, quatrocentas e quarenta horas de vida, são horas respiratórias, de renovação de tecidos, parte das quais não tenho consciência, memória tresloucada, vagabunda e inerte.
Não temam, porque aquilo de que se lembram mais não são que lembranças vagas, fumadas, parques de diversões subterrâneos e abandonados.
Ontem celebrei setenta e um mil e trezentos dias de vida, não são muitos dias, feitas as contas, nem sei bem porque é que me pus a contá-los..ah já me lembro, já não tinha nada para fazer, os amigos já tinham saído, o bolo já estava cortado e partilhado, as velas mordidas depois do desejo pedido, os papeís de embrulho improvisados, os restos espalhados pela casa, os meus restos imortais no chão da sala, à janela fria e uivante, o copo meio cheio de um líquido parecido com o sangue vomitado pelo conde Drácula.
Faz frio lá fora, é noite...o vento grita como se tivesse sido aprisionado numa ampulheta de vidro, e ninguèm para o salvar..talvez a chuva, a sua eterna noiva. O meu irmão de sangue dorme profundamente, o dia foi longo, mas eu não tenho sono, porque as palavras não me deixam adormecer, atordoam-me, compulsionam-me, escrevo letras nas linhas do caderno, não tenho luz, mas não me importo, nunca precisei de muita claridade para escrever, nunca precisei de muito para escrever, são só palavras que tintam as paredes do meu cérebro e ecoam de dentro de mim, claro que só eu as escuto, os outros deixaram-me de me olhar, ja passa da meia noite..a ilusão do aniversário acabou, perdeu-se a magia, é como a manhã de 26 de Dezembro..foi tudo uma miragem, a contagem decrescente para o próximo já se reiniciou.
Obrigada dos que se lembraram, obrigada aos que se esqueceram, obrigada aos que se lembraram e fizeram-se esquecer, obrigada pelo "Miracle", pelo amor incondicional, o gatinho no cartão, o beijinho doce e familiar.
Sou feliz e nem me apercebo o quanto.
Vou fazer de conta, gosto de fazer de conta, só tenho pena de me aperceber que não sou louca, porque se fosse era tudo tão menos complicado..."Vejam o que o vosso Deus me fez!", diz ele antes de morrer, cansado e ferido em frente a ela...ele um espelho, ela um vitral medieval, filhos de uma mesma religião, ele devoto por coração, ela a igreja alta e fechada.
quinta-feira, outubro 19, 2006
ODiaQueMorreuAoNascer
Chove lá fora, brisa enublada, o tempo parece impaciente, e hoje não podia estar em maior contraste comigo, não estou bem mas pelo menos sinto-me infinitamente não mal.
O amor vejo-o como algo pequeno (maior incoerência), mas perdoem-me.. possuo hoje o coração na ponta dos dedos e escrevendo freneticamente à meia luz cinza das pesadas nuvens, a mente contorce-se, esfrega algo e sai isto.
"Há tempo" dizem os coerentes, eles devem conhecer as parcas fiadoras , eu nunca as vi, podia jurar que as senti, subindo a minha coluna, arrepanhando a carne e silenciado o grito, que não gritei porque vi que um e um são dois, mas de dois tira-se um e fica um, que dividindo ao meio, fica meio e com meio não faço nada, com meio sou metade, para me completar, há que somar e multiplicar e eu ainda só sei subtrair e dividir.
Sentir o amor, falar do amor, sempre o amor, é sempre ele e mais ninguém, como se não houvesse mais nada, como se fosse o ponto de partida e de chegada e o próprio caminho...qual caminho, que seta seguir, parar para recuperar, onde, quando, porquê, hoje?
Amanhã. Amanha respondo ao amante ( aquele que ama, não o que se compadece com o prazer).
Agir, agir sempre, institiva...furtuitamente...egoísta sacana, está à espreita, "andas a seguir-me", escuto os teus paços, associo-os à tua sombra, desiste, não, não, não desistas, fica sempre, olha-me ao adormecer, canta-me o canto da melodia inglesa que ouviste através das linhas mundias que descarregam milhares, milhoes, ao segundo, à centésima do segundo e expelem o som, como se de poros se libertassem...
É um vício. Um ciclo acrílico de cheiro intoxicante, que queima os pulmões, entope as veias, agúa os olhos, magoa o peito, rasga a carne e corrompe a alma, com complacência, disciplina.
E quando eu não estiver, é porque sumi da cara redonda da terra, entrei na crosta profunda e ardente, laranja e castanha, hibernei para o fogo, cometi um ataque terrorista em mim mesma...se não o fiz é porque então fui antes apanhar o metro e entrei numa carruagem repleta de ovelhas tatuadas a lerem as páginas de um qualquer papel reciclado gratuito.
As árvores são cortadas, os homens enterrados, da árvore nasce o papel do Homem um fruto igual cada vez mais igual, cinzento, triste como este dia que repito, não podia estar em maior contraste comigo.
Feliz o que não tem internet. Feliz o que não vê o que eu vejo.
segunda-feira, outubro 09, 2006
O femininíssimo Almodóvar
"As pessoas andam doidas deve de ser do vento de Leste."
Assim dizia Raimunda ao longo do novíssimo Volver, uma deliciosa comédia a meu ver, com um toque primaveril de cor e elegância popular.
Almodóvar trata o feminino como ninguém, talvez como Valentino desenha os seus vestidos, Almodóvar filma a mulher em toda a sua esplendorosa simplicidade, que por mais carregada que seja a maquilhagem, por mais garrida que seja a cor do top, por mais justa que seja a saia não conseguimos deixar de pensar que não há beleza maior que uma silhueta feminina, seja ela gorda ou magra, de bata e touca no cabelo, de camisa de dormir, de bata de hopsital, não interessa é sempre bela, singular, envolvente.
A estória de Volver é tal como o nome indica, uma estória sobre o regresso, "voltar" ao pasasdo, à aldeia, à familia, à dor, à morte...trata o drama (ou a comédia consoante a perspectiva) de um percurso familiar e de todos segredos por detrás de um incêndio de Verão.
O emebelezamento final é fruto de diálogos simples e quase folclóricos, olhares trocados, e uma cova à beira rio que encerra um ciclo, ou fecha a aresta de um quadrado.
Almodóvar deixa-se levar por argumentos sólidos, e deixa o resto nas mãos do seu elenco, dirige-os como ninguém, quase que conseguimos ver Almodóvar atrás de Penélope Cruz sussurrando-lhe como dizer esta ou outra frase, como se baixar para elegentemente esfregar o chão onde se deu um homícidio ou até mesmo como dar a ver ao espectador uma sensação, como se se pudesse ver uma sensação, como se a sensação fizesse parte do domínio visual.
Abandonei a sala contente e motivada, o que nem sempre me acontece por me deixar levar pela magia do cinema, normalmente fico pensativa, mas desta vez algo de diferente se passou, uma magia maior tomou conta da minha consciência tantas vezes inconsciente, uma magia espanhola, gritante, mordaz...porque a morte não tem de ser necessariamente o fim, às vezes trata-se apenas de um intervalo, uma necessidade: "morrer para o mundo" e Volver (voltar) quando ele ganha a capacidade de nos poder acolher de novo.
Há pouco tempo li algures que Portugal candidatava "Alice" aos Óscares, uma boa notícia sim senhora, a má...Espanha candidata Volver.
domingo, outubro 08, 2006
O relógio avariado
Hoje ao olhar uma fotografia antiga, fiquei inundada num poço profundo e escuro de tristeza e nostálgia, foi isso que pensei sentir, como se não conseguisse respirar de tanto que a água translucida me empurrava para baixo... e eu sem pé..
Retirei a fotografia do suporte de cartão empoeirado, toquei-a com o meu dedo indicador e com a ponta do meu polegar, como se acariciasse a testa de um recem nascido.
Olhei-a de soslaio como se a quisesse desnortear e afastar,( em vão, percebi num ápice) olhei-a mais um pouco, tentei recordar algo, mas tudo o que senti foi um misto de perda e saudade, doçura e paz, paradoxo e horizonte. Como se esntrasse numa loja de doces e não me deixassem escolher nenhum, e eles ali à minha frente, tão longe e tão perto.
Acho que estávamos os dois dentro de uma muralha de problemas na altura em que o momento foi aprisionado, e pensar que estava protegida pelo meu príncipe!
O beijinho sempre que chegava a casa.
A camisa vermelha com quadrados pretos.
A voz firme e elevada.
A mão grande que segurava a minha pequenina e ainda curiosa.
Ele era tudo isso.
Ele era tudo para mim.
A doença afastou-o da menina dos seus olhos.
Ao pegar a fotografia, ele voltou por breves momentos, para de novo me abandonar.
Apeteceu-me chorar, mas ferrei os olhos, comprimi os labios, respirei fundo, não fui capaz, mais tarde, tenho muito tempo.
Agora sei porque é que as coisas mudaram, não foi porque o vento correu mais depressa, nem porque assim tinha de ser, foi porque eu sou egoísta e mimada.
Agora sei porque é que preciso da fotografia para o amar. É simples: Ele desiludiu-me.
Perdi-o, e jamais o perdoarei por isso. O que sou hoje, são os restos dum coração destroçado, o coração sa menina do papá.
Receio tanto essa ilusão infantil que não deixo que o passado se entranhe na minha actividade cerebral, preferi desligá-lo e acorrentar as celulas num espelho ensanguentado e quebrado.
Ironicamente o passado reencontrou-me num momento de fragilidade feroz e bastou o tal pedaço de papel fotográfico para que tudo voltasse.
O papel de parede.
A camisa vermelha com quadrados pretos.
A bica depois do jantar na chícara amarela torrada.
O despertar para as 5 da manhã.
O cansaço do final do dia.
O olhar perdido que se perde na lente da máquina.
Os "bibelots" esquematicamente expostos na prateleira...aquilo era o meu mundo, aquele que tenho hoje em nada se assemelha. Tenho-o mas não me chega, e quero tudo menos saber aquilo que sei hoje: que um dia fui iludida por um senhor que descia a escadaria de um palácio nos meus sonhos, que passava por um relógio gigante guardado num cubo de vidro e o fazia trabalhar, que fazia adormecer toda uma aldeia caiada de branco banhada por um rio calmo e fresco numa noite de fim de Verão. A aldeia continua a dormir desconhecendo que escrevo sobre ela.
Sonhamos todos os dias mas poucos sao os sonhos que guardamos no coração, eu guardei este e acabei de vos contar, apenas a fotografia é real.
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