quinta-feira, dezembro 08, 2005

Escravidão

"...Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele..." José Luis Peixoto, Morreste-me E não é reconfortante imaginar que a noite pinta um quadro para apreciar pela manhã? E não é apaziguador saber que o frio que sentimos nos relembra o quanto estamos vivos? E não é angustiante pensar que nunca penso nisto? Hoje fazia frio de manhã e eu pensei. Ao fazer o meu caminho habitual, parei por um instante para admirar os galhos das árvores que choravam lágrimas cristalizadas sem sal ... como me comprazi na dor daqueles seres, a minha alegria é a sua tristeza. Olhei a erva orvalhada de uma brancura esverdeada - pura magia! Senti o vento nos olhos e nos lábios que fechei ao mesmo tempo, esse vento cortante e arrepiante, esse vento sussurrador de silêncios, pareço estar a ouvi-lo agora...................................................................................................................... (Estranhamente) esta tela que devia ser pintada um dia nunca desaparece, mas eu só a vejo, a vi, hoje, ontem , amanhã...E quero lá voltar. Quero sentar-me na relva. Ouvir o que o vento tem para me contar. Perceber como é que os pássaros ensaiam aquelas coreografias voadoras por entre as nuvens. Ai! Como quero voar para nunca mais voltar. Porque eu volto todos os dias. Sigo o meu caminho sem medo, porque ele espera por mim numa doce indolência. A noite, essa deusa agora exclusiva dos românticos, foi outrora minha escrava, hoje, ontem, amanhã, a escrava dos meus sonhos, a minha escrava fazedora de paz que me abandonou, deixando-me apenas a paisagem da manhã, os seus restos mortais, como se a noite morresse todos os dias com o nascer do Sol. Amanhã volto seguramente.

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