terça-feira, fevereiro 19, 2008

A corda

A minha corda é feita de muitos fios, fios longos e brancos que se entrelaçam, dão voltas, abraçam-se, multiplicam-se em desencontros apertados, procuram a luz que em cima se quer coberta; a minha corda é feita num nó grosseiro e rogoso por um marinheiro sábio e gasto pela efemeridade do tempo que ainda está por passar.
Se eu cortar a minha corda ou deixar que alguém a corte por mim, será como pregar uma sensação num pedaço de madeira tosco e húmido, como cravar pedaços de vidro na planta do meu pé, abafar um grito com uma mão suada a meio da noite, uma vontade cega de gritar pela boca que contém a língua viva, vermelha e quente.
É a corda que me deixa saltar. Sem corda não tenho coragem de olhar para baixo quando estou bem lá em cima, a corda deixa-me sonhar como ave que quero ser, ave que arranha o peito no topo das árvores, que se deixa arrepiar com as gotas frias de água da chuva, que foge do Sol enquanto se dirige para Ele.
Sem a corda não conseguia partir sabendo que a volta não seria possível, a corda estica até onde eu quiser, não temo a falta da sua consistência, ela é como um amigo imaginário, pode ter todas as qualidades, todos os defeitos, todas as belezas, todas as cores e feitios, todas as formas, a minha corda pode ser feita de papel, de aço, de algodão, de carne, de ar, de aroma a jasmim, de poesia de Wordsworth, de estrelas cadentes, de erva daninha, a minha corda pode ser tudo feito em nada, pode ser corpo feito em cinza, cinza renascida em corpo e penas, água feita nuvem, galho feito ninho.
A minha corda estica sempre, até onde eu quiser, faço um lacinho na ponta do meu dedo escondido no bolso roto do casaco de lã cinzento, e lá vou eu com a minha corda, ninguém a vê, nem eu mesma, mas sei que está bem ali e que se algo de mal acontecer, o caminho para casa é certo, se algo de pior tomar o lugar de algo de bom, tenho alguém à espera, se morrer, ela leva-me ao Monte mais alto dos Tempos mais antigos, das cores mais mágicas, dos cheiros mais intensos, das pessoas mais verdadeiras, dos corações mais selvagens, das ilusões mais lindas, dos ventos mais frescos, dos tecidos mais esvoaçantes, das águas mais cristalinas, e Monte onde não descansarei, apenas permancerei eterna e por toda a eternidade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mulher que se tem passado, estiveste doente e não me avisaste?? Mau Maria, quero-te boa e com saude porque só tu me fazes rir quando te poes a falar das tuas teorias altamente teóricas, só tu!

Beijinho
To
(ah e este texto esta fenomenal, és GRANDE)