quarta-feira, abril 18, 2007

Três horas, um amor (monólogo, porque falava com um morto)

Noite fria. Não. Noite muito fria. Uma cama fria. Uma cama muito, muito fria. O relógio diz em tom silencioso que são cinco e seis da manha, e nem mais um minuto, talvez mais alguns segundos, segundos, segundos, segundos, segundo. Faço contas à vida, e eu que nunca fui muito boa de contas. Nunca gostei de números, nunca me senti uma privilegiada pelos números, nunca lhes fui fiel, e tanto quanto sei nem eles a mim, nem tu a mim, e nem eu a ti, por isso estamos quites e não pensemos mais nisso. Penso em ti, sei que não és o ser mais maravilhoso do mundo, mas são tantos os maus seres, que a tua bondade, vejo-a como uma luz ténue e apaziguadora, és bom, e nada mais interessa. Olho para ti, não me vês, dormes profundamente, dormes ainda? Não interessa, não vejo a tua sombra, não interessa, é melhor prosseguir. Apetece-me falar, gosto muito de falar, às vezes não parece mas gosto muito, quero falar contigo, acorda estúpido! É tempo! Acorda estúpido quero conversar, não me interessa que amanhã tenhamos de acordar cedo, amanhã? Não, hoje ainda daqui a pouco temos de acordar. Pelas oito da manhã, é esse o nosso tempo, e falta muito pouco tempo para esse tempo chegar. Quero falar. Quero falar contigo, quero falar sobre nada, quero falar do passado, quero falar do tempo em que dormia no ventre da minha mãe, quero falar do susto que ela apanhou quando confrontada com a verdade, quero falar do tempo de reis e majestades, quero falar de campos verdejantes, praias desertas, batas azuis, quero falar de impaciência, de bilhetes esgotados, da minha camisola de lã preferida encolhida na máquina, quero falar da agenda que perdi, do diário que escrevi, quero falar das coisas que nunca te disse, e das que sei que nunca me dirás. Queres falar? Dormes tão profundamente, jazes a meu lado, não vejo a tua sombra, morreste há muito tempo. Passou algum tempo, consegui preencher com ideias cerca de três minutos terrenos, mas quero mais. Oh como quero muito mais. Farta de ideias estou eu, comigo são só ideias, apetece-me verbalizá-las gritá-las em voz alta, tão alto quanto a minha alma desejar. Não vejo a tua sombra.

3 comentários:

vab disse...

Posso assinar por baixo?
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Anónimo disse...

soa a titulo de romance ou de peça, ou de filme, bem seja o que for ja sei q será genial, parece que tu e as palavras combinam bem. ah e afinal qual e o teu estilo?
Belissimo texto, espero que não seja baseado em factos veridicos!

bj//
//to

Anónimo disse...

um dia "o morto" volta do reino dos mortos e apercebe-se, quer dizer, ele não está mesmo morto pois não?
è que o teu humor negro às vezes...

adoro a gato

bj**
(coleguinha)