sexta-feira, agosto 26, 2005

Eu acredito

Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo, E ao beber nem recorda Que já bebeu na vida, Para quem tudo é novo E imarcescível sempre. Ricardo Reis, Odes Sonho todos os dias que vagueio em filmes. Filmes que vejo, que relembro, os quais não me saiem da cabeça e me consomem como nada mais o consegue fazer. Acontece-me de tal maneira que me sinto sufocar tal como me está a acontecer agora. Acredito que perco em cada momento, parte da minha personalidade ainda tão embrionária.Admiro-me por não saber do que gosto realmnte, tudo o que sei são fragmentos frágeis,e receio perder o tempo, esse bem essencial e precioso, que só se renova com novo sangue e me escorre entre os dedos como se da água mais límpida se tratasse. Tenho que fazer, visões, acções, a minha vida para viver...mas depois penso nos filmes. Penso no tempo que levam a serem feitos, nos infímos pormenores a levar em conta e perco-me finalmente, sem encontrar ninguém que me diga que está tudo bem e que vou ser feliz o resto da minha vida. Depois vem outro e outro,e ainda mais outro,e a minha existêcia afunda-se num rio calmo porém profundo. Não há nada pior do que sentir não ter pé. A vida acena, os que gosto surgem na íris, os feitos passeiam em camara lenta e não realizei sequer parte do que planeei. Não quero chegar ao fim da vida e lembrar-me que não tenho nada para me lembrar, que não salvei nenhuma vida que não a minha, essa se tivesse chegado a tempo, que não me ajudei, que não corri atrás dos meus sonhos...qual menina de rede em punho à caça de borbuletas...não realizei... E pensar que tudo isto dava um filme, Meu Deus lá estou eu outra vez a pensar nisso.Não consigo parar, é o meu vício e não há nada melhor que um vício. Não me quero ver livre desse companheiro, que ele me sugue todo o meu ser, porque ao fazê-lo sentirme-ei completa, por mais ideal, surreal ou incopreensível que pareça. O processo é simples, inicialmente é aquele formigueiro que percorre todo o corpo, as imagens nascem, os sons libertam, os aromas despertam, e o momento que se segue por mais fugaz que seja é uma plenitude trémula mas impossível de aprisionar. Tão depressa como surge desaparece e eu sinto-me pior do que quando inicialmente, por saber que da próxima vez o momento será tão súbito que a dor gritante se desvanecerá num suspiro lento e gelado. A mente esvazia-se depois do turbilhão que quase a fez explodir e a vida continua a rolar tal como uma bobina, não digo que de um modo infeliz mas melancólico, produzindo um som pesante e compassado tal como o bater do meu coração. Uma melancolia que eu percebo e preservo, que faz já parte de mim. a ela devo estas palavras que não magoam porque não passam de palavras, mas que traçam as linhas da minha vida, do meu guião num código indecifrável e inantigível, guião que talvez nunca venha a lwr apenas o viverei. Ao acordar quando vislumbro os primeiros raios de sol, já não há nada mais a fazer, o meu primeiro pensamento é uma questão...o porquê ninguém começar assim um filme e o terminar com a lua ao fundo do escuro oceano do céu... Agora que acabei não me sinto melhor nem nada que se compare. A sensação é a mesma que tinha ao começar, a diferença é que agora está tudo igual e não há maior diferença que essa, os momentos irrepetitíveis são uma ilusão porque eu vivo-os todos os dias. Acredito piamente nas minha palavras.

1 comentário:

M. disse...

Este texto está pura e simplesmente lindo, uma das metáforas mais lindas que alguma vez li. Se te identificas neste texto, como sei que sim, porque ninguém escreve com alma o que não lhe vai na alma, então deixa-me ficar triste e contente por isso, triste porque sei o que é viver na mesmice de todos os dias, desejar completar algo tão incompleto como o ser humano.. feliz por saber que ainda há esperança quando algo de tão belo como é o amor que tens pelo cinema vive em nós.
Parabéns pelo o texto.
****** fica bem.
Mariana