A Mafalda Veiga tem uma canção com este nome, estive a escutar e digamos que não percebi a ligação do tema ao poema em si, prossigamos. Aliás, e voltando à Mafalda, ela sempre me fez alguma confusão, acho-a um bocado André Sardet, as músicas são giras mas não são sempre iguais? É impressão minha, ou ouvimos uma e ficamos a conhecer todo o álbum... É como o Jack Johnson no fundo.
Mas a estória da minha tatuagem, venho partilhá-la com os demais. Sempre foi um desejo desta miúda, sempre fui uma "gaja das artes", a sonhadora, e achei que por isso deveria ter uma obra de arte para sempre comigo. Não ligo muito à questão histórico-cultural da arte de pintar o corpo, quem me conhece sabe que sou fútil, e que sendo do signo Balança (que às vezes tantos dissabores me trás) também gosto de tudo o que tem a ver com a estética, sou uma esteta, sou uma Oscar Wilde, dandy, palerma e muito convencida, não me considero homossexual, porém acho a Angelina bem fofinha ( quem não a achar que atire a primeira pedra ou faça a sua primeira tatuagem)!
Dois anos atrás mencionei que queria fazer uma tatuagem, “ah isto passa-lhe! Não a devíamos ter levado ao Sudoeste!”, pois não passou, estudei a História da tatuagem, as origens, os desenhos mais comuns, os símbolos e ficou sempre coladinha a mim a ideia, mas o mundo não se faz de ideias, faz-se de acções, sabia até o que queria: A Fénix!
Na altura desenhei uma, de asas abertas como se se estivesse a preparar para o seu último voo antes de rensacer das cinzas. O fogo era importante. O Renascimento também.
Mas só este ano a vontade se reacendeu, acordei uma manhã, liguei a uma jovem, e disse-lhe vamos a isso, alguns telefonemas depois, alguns conselhos e fui ao Bairro Alto. Fui muito mal tratada, a dona da loja assim que viu o que queria pensou “coitadinha” mandou-me ir ver uns quantos catálogos para tirar umas ideias, porque aquilo que eu queria…”o corpo é uma superfície pouco lisa, isso tornar-se-á apenas numa mancha“, entretanto a ave de asas abertas mudou para uma ave de asas tão abertas que se tocavam formando um círculo (quase) perfeito…e como queria um círculo porque a vida faz-se de círculos e tudo o que é importante podemos colocar dentro de formas circulares…onde ia eu, ah pois fui ver catálogos!
Encontrei uma coisa gira e simples, não gosto nem de uma nem da outra palavra mas aqui tem a sua importância: uma andorinha a voar em direcção oposta ao sol, apaixonei-me e eu sou assim, quando me apaixono esqueço o resto, digamos que é uma pequena falha na minha personalidade felina e digo-o do fundo do meu coração!
Regressei no dia seguinte de costinhas preparadas, e o meu tatuador estiloso que fez todo o trabalho de boina na cabeça, mostrou-me a obra de arte, quase chorei, estava perfeito, de facto um artista é alguém especial e é isso o que as pessoas não percebem na arte de tatuar, se é para a vida tem de ser perfeito, íntimo, profundo e Belo, mencionei que sou uma esteta certo?
Ele tornou a minha Fénix numa ave naturalista, fez-lhe uma cauda trascendental, manteve o corpo tal como lhe pedi, e fez o sol, porque eu queria um círculo algures, mãos à obra...et voilà quando movo as costas ela parece ganhar vida e voar!
Não pensei na dor sequer por um segundo, a dor nunca me deteve, é estranho dizer isto, mas normalmente o nosso primeiro instinto é fugir à dor, ao tatuarmos estamos a ir de encontro à dor, é de facto um paradoxo, mas sendo a obra de arte uma coisa tão desejada, sentimos cada picada como se de uma abelha se tratasse, e a cada picada sentimo-nos mais perto do traço final, do últimos preenchimento e quase que nos esquecemos que as melhores coisas custam a conquistar!
A agulha começou a picar a minha coluna, não dói muito o contacto com os ossos, a mim doeu-me mais nas partes “mais molinhas“, estava virada para um rapaz que estava a tatuar algo no topo das costas entre as omoplatas, e comecei a notar na estética daquele espaço, senti-me numa daquelas barbearias à antiga, com azulejos pretos e brancos, muitas fotos de motards, tudo meio surrealista e kitsch, fotos de santas como no videoclip do Believe in me do Lenny Kravitz, o arcanjo Miguel, a Betty Page, o Diabo e Deus lado a lado, e comecei a sentir-me mal, deixei de sentir basicamente e apaguei…pois desmaiei, não de dor, mas o meu organismo reage assim a agulhas, sejam elas para tirar umas gotas de sangue ou para tatuar uma fénix, lá acordei quando fui esbofeteada pelo tatuador que teve a amabilidade de me dizer que recomeçavamos quando eu quisesse, a dona da loja ofereceu-me caramelos e ainda conversámos sobre a mala que eu levava e de que ela gostou muito, “é de Londres” “ah vou lá esta Quinta feira, mas já não é o que era, já não há Punks…há 15 anos era outra coisa!”, como veêm as mulheres têm sempre alguma coisa de que falar.
A tatuagem continuou, a dor perfeitamente suportável, levou-me umas duas horas e fazer de mim uma gaiola para a minha ave mitológica!
Saí da loja feliz, volto a dizer que o valor simbólico não é para mim o mais importante, só o é na medida em que simboliza algo que só partilho com quem mais quero partilhar, se gosto da Fénix por saber que faz apenas parte da minha imaginação e que gosto de pensar que poderia renascer das cinzas sempre que morresse, sim é algo por aí, se consigo sonhar com isso porque não fazer do sonho uma realidade física?!
Ele, o tatuador disse-me “tens a noção que esta é a primeira mas não ser a última?”, sorri. De momento não tenho mais nenhum sonho a tornar realidade, pelo menos não no meu corpo, os sonhos que tenho estão todos em marcha mas fora do corpo porque é dele que saiem, de todos os poros, de todos os actos, de todas as vontades, de todos os segundos não calculados, de todas as amarras libertas, de todas as palavras que digo, sinto, explico e concretizo, se penso nisso, sim, mas ainda não tenho motivo, tenho porém o local do corpo que será brindado!
Tatuador: Alberto Freitas
Loja: Bad Bones
Desenho: Fénix