quarta-feira, janeiro 11, 2012

Vou contar-vos uma história

Ele chega meio trémulo de xícara e pastel de nata nas mãos, e desvia cuidadosamente a louça deixada por alguém na mesa onde se vai sentar. O senhor pensa melhor, e hesita entre deixá-la lá ou transportá-la até ao balcão para que fiquem em fila de espera para o duche de torneira na cozinha.
Ele tem já poucos cabelos, e os poucos são brancos, parecem neve, uma neve doce e sábia. De blaser com quatro botões de punho dourados, e aliança na mão direita, puxa dos jornais e senta-se frente a eles para os folhear.
Ela chega entretanto. Escolhe umas revistas e diz que vai pedir um cafézinho para fazer companhia ao seu garoto «bem escuro». Ele sorri, meio perdido nas frases que vai lendo mas sem nunca tirar os olhos das páginas, e apenas interrompe a leitura para retirar do bolso a sua pequena carteira dos trocos fazendo espalhar as folhas do jornal no chão. A senhora levanta-se devagar e maternalmente, ou seja, sem pestanejar e levanta-as do chão, como se as trouxesse de volta à vida. Os dois vão trocando magras palavras, sem nunca se enxergar. Cada um para seu lado, ela com as suas pérolas ao pescoço, ele com os seus óculos bem juntos aos olhos.
Conheceram-se numa festa de Faculdade. Ela tinha muitos pretendentes, ele muita vontade de dançar com ela, e de a beijar num segundo encontro! A vida não foi fácil, mas o casamento trouxe crianças para alegrar a casa, e agora é aos netos que compete essa feliz missão.
Ela desvia atenção da revista, mexe no brinco da orelha esquerda: sinal de que pensa no que vai ser o jantar desta noite, ou apenas se lembra da juventude. Questiono-me muito, se as pessoas mais velhas passam muito do seu tempo a pensar nos anos que já lá vão...
Antigamente, ela costumava fazer-lhe uma carne no forno, a sua preferida! E ele desdobrava-se em elogios que a enchiam de orgulho por fazê-lo um esposo dedicado.
A leitura fica em dia e ela ajuda-o a levantar, ele devolve os jornais e lembra-se que tem de ir à casa de banho. Ela aguarda-o pacientemente. Passam quase dez minutos, e ele regressa finalmente. A sua esposa, devota e amada ajuda-o a vestir o casaco e a colocar o cachecol. Estão tão perto de mim que sinto a aragem própria do movimento a mover-me os cabelos.
Eu fico ali sentada, como se nada fosse, continuo a ler enquanto o meu leite esfria tal como os scones que o acompanham. Fico com vontade de ir ter com eles e dizer-lhe que gosto muito deles, mas deixo-me ficar. Imagino-os a regressar juntos a casa, de mãos dadas, e a dar um beijinho de boa-noite agora mesmo. Não lhes disse que gostava muito deles, mas digo-o a vocês.

1 comentário:

Anónimo disse...

Adorei a história.

Escrita de uma forma tão pormenorizada que parece que eu presenciei o momento.
Tens um dom especial para a escrita.

Célia Lourenço