segunda-feira, março 25, 2013

Só peço sol




Só peço sol. Não peço mais nada.
Juro a pés juntos, que tudo o que queria era acordar amanhã e dar de trombas com um sol esmagador e vibrante capaz de me dar todas as energias (e receio que mais algumas) para enfrentar o dia com outra alegria.

É que isto pode desembocar num caso sério.
Ora vejamos: a pessoa acorda, até que bem disposta porque não tem o hábito de descontar nas pessoas  logo pela manhã, porém alguns são os perigos com os quais nos podemos cruzar nas primeiras horas seguintes ao acordar, neste dias que não são nem carne nem peixe.

Perigo #1 a pessoa está descalça, porque é orgulhosa e recusa-se a dormir de meia, e mete o pezinho no chão. Dá o arrepio frio na espinha (e não me refiro a sem vergonhices) e está o caldo entornado.

Perigo #2 a pessoa toma o seu banho. Tudo bem. Água quentinha, pressão q.b, há champoo e há gel de duche, o desodorizante é coisa que brota no armário da casa de banho como se de cogumelos se tratasse, também há cotonete, creme hidratante, e remédio para as unhas. Tudo bem. Por aqui estou safa.

Perigo #3 ui que frio! Resolução: ligar o aquecedor do cabelo e enquanto não trato da juba, toca a aquecer os pezinhos com o bafo quente que este instrumento emite. Não só resolve a situação como dá um certo reboliço no coração, porém cuidado: pode queimar o pé e a perna (ou qualquer outra parte do corpo que se lembrem de aquecer).

Perigo #4 a pessoa tem que se vestir, e ao contemplar o seu vasto guarda roupa não só constata que tem muito mais roupa do que aquela que alguma vez usará, constata que não gosta de nada do que se apresenta à sua frente. E a culpa não é da roupa, é do frio que insiste em ficar e nós não podemos mais levar com o casaco de fazenda, a galocha, o cachecol e a camisola de lã de gola alta que pica que se farta e que nos faz parecer uma baleia anã com ares de coiso e tal. Que m*****!

Perigo #4 a pessoa não sai de casa sem a barriguinha cheia. O café aquece, a torrada... está a torrar, pois claro, e há que passar o corrector de olheiras. Hmmm mas que cheiro é este, ai as minhas ricas torradinhas, lá se vai a magia poética de uma torrada feita em pão de Rio Maior cravejada com duas generosas colheres de sopa de manteiga. Fico-me pela torrada queimada e o cenário deprimente que vejo da janela do meu quinto andar.

Basicamente é isto.
Tenham cuidado com os perigos da manhã, que com este tempo ridículo se podem consubstanciar num verdadeiro crime digno de letras gordas na capa do Correio da Manhã, tendo como criminoso esta bela pessoa que vos escreve.


quinta-feira, março 21, 2013

A bailarina

Dançava por entre as sombras das árvores despidas.
A Lua ameaçava aparecer envolta numa névoa fria.
Sentou-se ali a seu lado, os nós dos dedos doíam cansados.
De olhos prostrados no céu parecia procurar algo,
o seu corpo movia-se ao sabor da brisa,
os cabelos ondeavam por entre as finas camadas de gelo gelado.

Ninguém a estava a ver.
Ninguém a poderia ver e como tal, jamais alguém iria escrever sobre si.
Os anjos caíram todos na noite passada.
As casas mudaram de lugar, a terra deixou de girar sobre si mesma.

Para quem dançaria ela, agora refeita de coragem deixada pelo pó largado pelas estrelas?
Porque continuaria ela a dançar...esperaria alguém?

Dançaria apenas pelo prazer do toque fino das pontas dos pés entre as ervas e os galhos partidos de árvores doces sem vontade de a magoar?
Seria ela algo em transformação, seria ela visível aos olhos dos demais, para além da pessoa que escreve estas linhas?

A dança tornou-se lenta e uma chama ecoou do seu coração, e a bailarina desapareceu.
A bailarina queria ser livre.
Quando o conseguiu, a bailarina amou.


Primavera

Adoro a Primavera. Mais do que gostar da Primavera, gosto do seu início. Daquele encantamento febril dos primeiros dias mais longos, dos tímido raios de sol que se começam a alastrar com uma firmeza cada vez maior e mais assertiva.
Nesta altura do ano, as cores regressam, as bochechas ruborizam e já não nos são permitidas umas cavas por debaixo das malhas finas, as meias de lã são trocadas por algumas menos quentes enquanto as sandálias continuam guardadas no armário à espera do derradeiro momento em que podem dar o ar de sua graça.
Por volta desta época, as idas às compras também ganham outra motivação, as frutas multiplicam-se e vejo morangos, nêsperas, laranjas e cerejas: ah que maravilha!
Tudo melhora nesta fase. Tudo melhora.

Porém... este ano a Primavera tarda. Estará ela em consonância com a tristeza que nos vai na alma?
Será que também ela está a demorar porque simplesmente não estamos preparados para a primavera dos nossos corações. Não há sol, não há calor, não há risos e sorrisos nos parques infantis das cidades, as crianças não brincam nas ruas, as frutas no mercado ainda são as mesmas, e eu caminho mais lentamente tal é o peso das roupas que envergo.

Embora estejamos em plena Primavera, é o Inverno quem reina. Sinto que o Inverno que sinto é igual ao Inverno que não nos abandona. Tivesse eu o poder de o pontapear daqui para fora.

domingo, março 10, 2013

Aquele lugar



As suas mãos quentes, pequenas e macias procuravam as minhas mais velhas, mais vividas, mais frias. Os seus olhos ávidos de curiosidade pareciam querer falar-me. Mas os bebés não falam, pelo menos era o que eu pensava quando o segurei ao colo.
Ao pegá-lo, depressa me apercebi que havia algo de diferente, um peso mais leve que o normal apenas sentido por aqueles que pegam em bebés assim.
Olhei pela janela e vi a casa cor-de-rosa lá ao longe, a casa que sempre imagino, repleta de memórias impregnadas de vento e terra, História, se quiserem chamar-lhe. O bebé continuava ao meu colo, menina ou menino, não sei dizer. De repente, os seus olhos grandes e repletos de vida olharam-me e ele falou.... Tu não sabes quem és. E nada mais disse. Fiquei a olhá-lo, não estava muda pela surpresa, porque nos sonhos tudo é possível, e os bebés podem falar e chamar-nos à razão.
Mais do que pensar que devo estar a ensandecer, pensei que aquele bebé e aquela frase fazem sentido. Um bebé é sinal de rejuvenescimento , de vida, de novos começos, e muitas vezes procura-se num bebé um sentido para a vida. Quando já nada pode funcionar o bebé ele vai preencher o vazio, os silêncios e tudo aquilo que resultar menos bem. Este meu bebé pode significar algo completamente diferente, algo novo, arrebatador, o meu bebé não é chave para nada, nasceu para me mostrar que aquilo que sou continua a formar-se e que por mais que me leiam, só eu sei o pulsa cá dentro e só eu sei porque sonho tantas vezes o mesmo sonho, o sonho de encontrar aquele lugar em vida

sexta-feira, março 01, 2013

A rua espera por nós



Doentes, cansados e desiludidos.

Estamos todos assim.

Manter a atitude positiva é uma prova de esforço, porque é assim que estamos, é assim que vivemos. Em esforço. Uma amiga no outro dia disse-me que ia abandonar o país, o país que não é o dela, mas que a recebeu há muitos anos com os dois braços abertos. O mesmo país onde eu nasci e onde receio ficar. Essa minha amiga vai embora, diz que está quase a passar fome. Eu fecho os olhos, e imagino “poderia ser eu, e não quero vir a ser eu”. Em esforço. O país que estava de braços abertos para ela, assim ficou… à espera que se fechassem.

Pela minha amiga e por mim, manifesto-me amanhã pacificamente em plena cidade de Lisboa. Pudesse eu crescer e tornar-me num gigante. Amanhã manifesto-me, porque os meus filhos vão nascer num país que foi e continua a ser incinerado por políticos e gestores mal preparados e mal formados. Pessoas que não se conseguem pôr na pele dos outros, que acham que o contentamento é uma coisa linda e entenderam mal os versos de Camões, porque o poeta ao dizer que o Amor “É um contentamento descontente”, não se referia a algo bom.

Querem-nos contentes, contentados, resignados à vidinha mal levada, ao rebaixamento, ao muito trabalho para pagar a dividazinha, porque temos papás para nos sustentar. Quem vive bem, está-se nas tintas para quem vive mal. Nas tintas. Além de mal formados, foram mal educados.

Vão mas é ler Camões, que nós já aprendemos a lição e a rua espera por nós.