Já passaram muitas horas. Muitas, desde que nos conhecemos. Um encontro numa noite fria de Novembro. Um passeio ao luar no qual trocámos impressões sobre Polanski, sobre influências e imagine-se... anginas. A despedida foi feita debaixo de chuva após um ameaço de assassinato.
Passaram-se algumas horas e voltámos a encontrar-nos. Desta vez almoçámos juntos num Museu de Cinema e à mesa com Tim Burton. Não me lembro o que comemos, mas recordo-me do à vontade, da cumplicidade e da promessa de nos voltarmos a ver. Passaram-se algumas horas e um terceiro encontro. Um novo jantar numa mesa "zen", um beijo novamente à chuva, mas desta vez com um tecto de carro para nos proteger e a benção de Emily Dickinson.
Já passaram muitas horas e continuamos a crescer. A casa está montada, os gatos criados, seguir-se-ão as viagens, os descendentes e todos os restantes dias das nossas vidas. Parece que foi ontem, parece que foi há uma eternidade, temos a certeza de tudo mas é-nos difícil defnir criteriosamente o que os dias e os meses passados significam na linha cronológica das nossas vidas. Não importa quantos dias vivemos, importa sim o que fazemos deles não é? Se assim for estou orgulhosa de todos que que passei a teu lado e preparada para os que estão para vir ao som das estações dos anos cada vez mais imprevisíveis, loucas, insensatas e cruéis para a terra.
As cores estão misturadas na tela, de azul a roxo, misturei branco com vermelho e agora tenho um cor de rosa despretensioso e carregado de força. Carregada também está a nódoa no pano que uso para proteger as pernas enquanto pinto mais uma tela, nada a fazer, está condenado o pobre coitado. Agora é um pano tingindo, desbotado, um pano dotado de uma arte imaginada por uma cabeça louca parideira de ideias destituídas de qualquer semelhança com a realidade. As ideias são apenas sonhos em carne viva, mas apenas porque precisam sangue para serem algo mais, mais carne e menos ferida, mais cicatriz que agora é carne lisa e fértil para novas sementes.
Falta-nos a noite mágica de Setembro, o brinde, o branco, o lacre. Falta-nos o cadeado preso à grande que vai conhecer todo o nosso amor e todas as horas que já vivemos juntos, falta-nos as orelhas da Minnie e a doce Angelina. Falta-nos todos os dias depois disso. Falta-nos o dia em que o vamos trazer para a nossa casa, o dia em que ele vai conhecer as nossas papoilas, brincar com os gatinhos e comer as papas feitas pelas avós. Passaram-se algumas horas e mal posso esperar pelas que estão para vir. Vá relógio, ordeno-te que te apresses.