Fazia, frio, entrávamos no mês de Novembro, esse mês acalentado, mais frio que fresco, mais escuro que o cinzento do lápis de carvão.
A menina era eu, se estava de saia, eram às pregas, e os collants vermelhas deviam estar cobertos de borbotos, se estava de calças então eram azuis e de bombazine.
A menina que eu era, a menina da mamã. A menina gostava era de ir para o trabalho da mãe, até dispensava as aulas se preciso, estudar para quê? Se o que faço lá, posso fazer onde quiser, e a minha mãe está aqui, não está na sala de aulas do Pinheirinho. Birra assumida. Amuo dos grandes.
Eu gostava de estar com a minha mãe, ajudava-a se preciso, mas ela nunca me deixava fazer nada. Novo beicinho. A menina que eu era desenhava naquela altura em que o dia se desmancha em pó das estrelas, e a minha mãe sentou-se na sua cadeira, e eu fiquei no colo dela. Orgulhosa. A minha mãe trazia uma romã com ela, era meio alaranjada, grande e pesada. Com uma faca começou a desfazê-la, cortando-a minuciosamente, e eu observava curiosa para saber o que ia sair dali de dentro. Quando a casca se começou a soltar, vi a sua verdadeira riqueza, aquele vermelho rubro, aquele vermelho meio cristalino, aqueles gomos pequenos de luz, amor e doçura. A menina ficou encantada, e provou. Ao provar, gostou, mas a mãe gostava mais e a menina preferia vê-la deliciada com aquela dádiva da estação.
A menina que eu era, ao colo da mamã, perguntou como era a casa onde a mãe vivia quando era pequenina. A mãe não querendo verbalizar porque isso talvez a afastasse da memória que tinha guardada na cabeça, preferiu desenhá-la com o coração, e usou a folha da menina. A menina lembra-se disto, e lembra-se da mãe explicar que a entrada de casa era feita de pedrinhas muito pequeninas. Mas não tenho o desenho, e ainda hoje não gosto do fruto, mas gosto muito da minha mãe e de a ver comer essas mesmas romãs.