domingo, dezembro 30, 2012

Todos os dias

A folha ainda está em branco, mas sei tudo o que quero escrever. Está bem guardado na ponta dos meus dedos, num laço apertado no meu coração.
Agora sim. Partiste de vez. O meu mais leal amigo, compreensivo, trapalhão, justo, o amigo de todas as horas, o irmão da minha infância, o dono da minha inocência, porque tu nunca tiveste donos.
Mais do que dor pela tua partida, sinto dor na tua ausência. Penso em ti e um mar abeira-se dos meus olhos, comprimo os lábios, passo a língua pelo céu da boca, abro os olhos, os mesmos que agora estão molhados, ensopados, e vejo-te em todas as coisas, em todos os lugares. Só assim deixo de me sentir só.

Todos os dias. Todos os dias lembro-me de ti. Ontem sonhei que estavas vivo, jovem e cheio de força. Não que a tua força te tivesse escapado nestes últimos anos, dos vinte que me acompanhaste. Nunca vi ser mais enérgico, capaz de derrubar motas e aceleras, de me fazer andar de rojo pela lama do Pinheirinho e de ladrar a altas horas de madrugada porque querias brincadeira.

Não te vi partir, mas sei que um dos últimos beijos que recebeste foi meu, sei que o teu último sopro foi dado em casa, ao lado dos que te amaram e sempre vão amar. Partiste em paz, deixaste-te ir para passares a caminhar num reino onde se vive para sempre, um reino chamado coração, um coração que é meu e teu e que um dia deixará de ter um laço apertado.
Até lá vou sentir a tua falta, sempre, todos os dias, e nem um dia a menos. Todos os dias.


sábado, novembro 10, 2012

Skyfall



“A mais profunda queda no Inferno provém da inocência”, Choderlot de Laclos escreveu algo assim perto do final do século XVIII num dos seus textos teatrais que deu origem a um filme dos anos 90.

Uma peça de teatro torna-se num excelente ponto de partida para discorrer sobre Skyfall, o novo filme da saga 007, que se encontra num mundo que se entretém entre o passado e o futuro sem necessidade de cortina entre actores e público. Teria Sam Mendes isto em mente quando aceitou ser o novo realizador de uma obra inserida num universo tão preciso quanto comercial? Creio que sim. Sam Mendes apostou e ganhou. Sam Mendes, um homem do Teatro, mostrou que teatro e cinema são duas artes com tantos pontos de contacto quantos aqueles que quisermos ver. A saga 007 ganha agora novos contornos, através de um “episódio” mais real, mais verosímil e repleto de contradições o transformam numa obra ímpar e simbólica: a que comemora dos 50 anos deste herói.

Para enriquecer esta teia, Sam Mendes rodeou-se de actores também oriundos dos palcos, uma opção que lhe conferiu não só um elenco repleto de poderosas interpretações como elevou ainda a fasquia da saga para as próximas rendições de Bond. Mas Skyfall não vive apenas da dedicação destes mesmo actores às suas personagens, ganhando vida e magia com a recuperação de uma personagem adicional esquecida e tão mal tratada anteriormente: Londres. O ambiente indisfarçavel das ruas londrinas torna-se palco e personagem de cenas de acção em grande escala e serve como uma luva a M e 007, fazendo-nos questionar o porquê da omissão constante deste palco privilegiado nestes últimos 50 anos.

A somar aos ingredientes já descritos, Skyfall respira muito da estrutura dramática e profundidade de caracterização de Silva, o vilão criado pelo fantástico Javier Bardem, cuja interpretação arrebata o espectador, respeitando-o e temendo-o simultaneamente . Confesso que o meu coração ainda palpita por Le Chifre, o vilão de Casino Royale, pelo seu minimalismo e contenção que desembocam numa cena de tortura masculinamente perturbante que se inscreve por direito próprio na história da saga, mas Silva (uma personagem criada por Ian Flemming) é poderosíssimo e um concorrrente de peso aos vilões mais emblemáticos. Não só Silva possuiu um desejo de vingança calculada ao pormenor, incrivelmente frio e metódico mas simultaneamente emocional e freudiano, de fazer M. confrontar-se com escolhas passadas como consegue conduzir esta luta num cruzamento constante entre a loucura real e a fingida, deambulando entre o sofrimento e a raiva opressiva, num misto de Hamlet e Hannibal Lecter.

Já Daniel Craig volta a interpretar um Bond “cool”, mais velho e bruto mas também mais refinado do que nas anteriores aparições, que, pela primeira vez, deixa revelar as suas fraquezas e traumas, tornando-o mais íntimo do espectador e, portanto, simultaneamente mais frágil e admiravelmente forte.  Craig torna-se num dos James Bond mais emblemáticos de toda a saga, revelando-se um homem da era moderna mas que não compromete nem deixa de ser reger por sólidos modelos e valores clássicos, num retrato evolutivo e de construção de personagem fenomenal ao longo dos últimos três filmes. Este é, a meu ver, um dos pontos mais fortes de Skyfall, a “intromissão” das interpretações no nosso mundo, a cadência dos seus sentimentos e o confronto com a realidade revelada através dos seus erros, dos seus traumas e das suas próprias falhas humanas que nascem de momentos que temos a especial honra de presenciarmos.

Novamente entre o Teatro e o Cinema e traçando-se um paralelo entre a arte do passado e a arte moderna, é possível assistir ainda à grande inspiração cinematográfica: The Dark Knight ,de Christopher Nolan. Skyfall bebe deste universo, do seu realismo e até tem alguns pontos em comum, como a majestosa mansão em que se passam os últimos 45 minutos do filme, onde se ouvem ecos de Hamlet ou até se vêem vestígios de um Bruce Wayne em mutação. Tal como o vigilante das trevas, também James Bond “vigia” Londres em topos de edifícios, também é atormentado por um passado que o marcou e o tornou naquilo que é,  também ele tem um “criado” que faz a ponte com o seu passado e que o recorda da sua verdadeira natureza, numa bonita interpretação de Albert Finney que se revela como o coração do filme. Mas, o ponto crucial desta ponte entre as duas obras, passa pela simbologia da gruta e da reclusão como modo de enfrentar os fantasmas e as perdas: Bruce e James deitaram-se crianças numa gruta e acordaram homens, encontrando a sua energia na escuridão e fazendo dela força.

Sam Mendes faz da subtileza a sua melhor arma para não deixar que este seja apenas mais um filme de James Bond, servindo-se deste atributo para revelar todos os elementos próprios deste sofisticado universo, seja pela alusão não declarada às marcas que desde sempre acompanharam este herói, seja pela presença das Bond girls – aqui meros pontos de contacto com a masculinidade do herói - mas que até neste filme se tornam um pouco mais nisso, no teste de Silva a Bond na ilha abandonada. A dicotomia entre passado vs futuro, contrapondo sempre o “old fashion way” com o desapego e individualismo dos nossos tempos, saindo (quase) sempre o passado a ganhar, momento espelhado magistralmente pelo “desaparecimento” de Silva. Nitidamente a escolha musical para genérico do filme através de Adele remete exactamente para este ponto tentando recuperar o toque feminino e sensual do passado de Bond, o qual havia sido abandonado nas últimas interpretações de Chris Cornell ou Alicia Keys em dueto com Jack White.

Do ponto de vista cénico, é de salientar ainda a fantástica cena de luta em Xangai, mais uma vez perfeitamente encenada e coreografada, qual peça de teatro, bem como o regresso de Moneypenny e Q., que encerram toda uma promessa do regresso do herói a par e passo com uma nova era do MI6 num mundo também ele em rápida mutação geo-política.

Curiosamente, Skyfall não é o título de nenhuma obra de Ian Flemming, trazendo acorrentado a si o desejo de modernidade, de realismo que este herói já estava a precisar. Skyfall faz com que este mundo seja transportado para o mundo real governado por burocratas e decisões centralizadas e afastadas do terreno, fazendo-nos submergir no jogo de intrigas do mundo dos agentes secretos ao serviço de Sua Majestade como guardiões do templo modernos, e respondendo às exigências de um público que, mesmo amante de todo o ambiente literário e cinematográfico deste herói, pedia já um tratamento mais digno e real (mais clássico e menos moderno?) de todo o universo.

segunda-feira, novembro 05, 2012

As saudades que tenho de ti.

E dos tempos em que ia ter contigo e pensava que podia ficar para sempre.
Não são bem saudades desses tempos, mais sim do modo como esse tempo passava em tempos cujas horas pareciam décadas e vista da minha janela dava para um jardim com um poste do correio.
Saudades da tua chuva modesta pela manhã e tirana ao entardecer.
Saudades das paragens de autocarros e das viagens no piso de cima.
Saudades de te ter, e do abraço demorado que dávamos sempre que pisava o teu solo.
Saudades do chão dos cafés, dos azulejos baços e do cheiro a chá Earl Grey.
Saudades da manta no sofá em pleno Verão.
E aquela vez em que senti aqueles flocos de neve na cara e imaginei todo um postal colorido todo ele caiado de branco e de sonhos que tinha por realizar.
Agora tenho saudades. Mas mais do que saudades da minha cidade, tenho saudades do dia em que aí voltarei, do dia em que os nossos olhos se voltarão a cruzar.
Minha Londres. Fosse eu a Virgínia para te dedicar todo um livro ditado pelas vozes que ecoam na minha cabeça.


domingo, outubro 14, 2012

O Verão já lá vai

Findado o Verão e de olhos postos na janela da minha sala encaro um primeiro Domingo de Outono.
Os braços já estão cobertos com mangas, as meias calçadas e o vapor do chá desprende-se do líquido da infusão de ervas servida na caneca.
Gosto muito do Outono. Sempre gostei. O Outono faz-me pensar em coisas que nascem, em coisas que morrem e em coisas que se transformam. Quando o Outono começa não fico com pena da morte do Verão. O Verão já lá vai. O Verão e as férias. E por isso mesmo, o meu primeiro texto deste Outono é dedicado ao Verão e às melhores coisas que ele tem.


Verão é sair com roteiros na cabeça e mapas digitais.
Verão é abraçar a viagem e acreditar que o mundo é nosso por uns dias.
Verão é calor na toalha e frio ao entrar na água.
Verão é torradas para o almoço.
Verão é cão na passadeira e gato ao sol.
Verão é boa vontade e vontade da boa.
Verão é cheiro a borracha da touca molhada e pontas espigadas.
Verão é procurar caminhos para chegar algures, e quando finalmente chegamos percebemos que o caminho é que fica para a história.
Verão é beber água das pedras na esplanada e ser-nos dada gorjeta pela visita.
Verão é estômago cheio, alma contente e pernas cansadas.
Verão é sentir que existem lugares com milhares de anos de existência que estiveram todo este tempo à nossa espera.
Verão é almofada lavada, chinelo no pé e novo gel de duche.
Verão é rio, placa de rua, monumento, norte e sul, é sorriso de bebé, erva seca e fio de vento.
Verão é leite com chocolate Ucal fresco, é pé descalço com medo de osga e grilos dentro do carro.
Verão é aprender a nadar (sem pé), nódoa negra no joelho e amanhecer cor-de-rosa.
Verão é praia, campo, árvore, rio, poço, rosa, ponte, encanto, vislumbre medo de cair.
Verão é dinheiro trocado na mala, é agua engarrafada e árvores que nos abrigam do sol e de todos os medos que possamos sentir.
Este Verão  foi assim. Para o ano será ainda melhor. Eu sei.

Verão é ir de férias e ficar triste por regressar, mas feliz por ter ido.

domingo, setembro 09, 2012

Tenho uma amiga


Há rotinas que devemos manter. Para quê deita-las fora se nos confortam e nos dão a sensação de que o mundo por mais que mude continua a ser o mesmo. Porquê mudá-lo? Porquê mudá-lo todo de uma só vez.

Tenho uma amiga. Sim, tenho uma. Uma em particular. Uma amiga que me entende. Uma amiga que não rouba espaço alheio. Uma amiga que não me faz perder tempo e que quando não lhe apetece não se encontra comigo. E eu se não quiser ou não puder sei que lhe posso dizer o que sinto e ela diz-me que se não nos virmos hoje, vemo-nos amanhã ou depois. Sem pressa. O mundo não acaba amanhã e mesmo que acabe, nós seremos as mesmas.

Tenho uma amiga com quem poderia ir a mil e um lugares. Mas não vou. Podíamos provar mil e uma iguarias mas preferimos sempre a torrada e o galão. Tenho uma amiga que me fala da sua vida e que me faz ver que a riqueza da alma é um bem precioso.

Tenho uma amiga com coragem de leoa e um coração forte e pleno que não se detém por um ou outro intempérie. Tenho uma amiga que cai, que se levanta e que aprende com a queda mais do que poderia imaginar. Essa amiga está à procura de um caminho. E não estamos todos? Um caminho que a leve para um sítio que a deixe ser selvagem, irracional e terrena.


Tenho uma amiga que têm mil opiniões sobre os mais variados temas, e essas opiniões são muitas vezes totalmente opostas às minhas, mas são a junção das nossas opiniões que nos mostram que a verdade nem sempre é verdadeira e que estamos fartas do “esse ponto pode ter dois pontos de vista" e as touradas dão muito que falar.

Tenho uma amiga com quem me encontro num único sítio. Temos milhares de outras hipóteses, mas escolhemos sempre o mesmo lugar e acredito que iremos lá parar pelo menos uma vez por semana até termos 80 anos.

sexta-feira, agosto 24, 2012

Quando os lugares onde já fomos felizes desaparecem



Quando os lugares onde já fomos felizes desaparecem
Já vos deve ter acontecido. Perder um lugar onde já foram felizes. Nós pessoas da cidade, temos essa capacidade fantástica de nos afeiçoarmos a “estabelecimentos”. Desenvolvemos hábitos e por melhores que outros sítios possam ser, acabamos por ir sempre aos mesmos lugares. Os lugares onde fomos felizes.

Se vivêssemos no campo não teríamos esse problema, à partida se uma árvore é cortada ela volta a crescer, se um arbusto desaparece encontramos um a escassos metros de distância. A envolvência do campo, a sua brisa, e a visão das libelinhas a esvoaçar apressadamente são para sempre, por ali seremos sempre felizes.

Na cidade não.

Os cafés e as pastelarias fecham. A primeira vez que me senti roubada cá dentro, foi quando um sítio (que embora tivesse um nome mais composto eu optei por apelidar de “Delícias”) fechou as portas.
Fui lá algumas vezes, bastantes até. Quando entrava naquele café de centro de comercial pequeníssimo imaginava-me num salão de chá londrino. As mesas pequenas em mármore, as paredes forradas a pano com o tecido típico inglês repletos de cenas de piqueniques, em que as senhoras usavam dez saias e os senhores uns chapéus com penas enquanto passeavam os seus galgos. O chá era servido bem quente, o bolo de chocolate e noz era um prazer infantil, a cada garfada sentia-me mais perto da perfeição. Os scones eram servidos com todo o requinte, e quando faltava o bolo de chocolate, a torrada e o chocolate quente substituíam-no sem ter de pensar muito nisso.
O Delícias fechou e levou consigo todo o charme que o Saldanha tinha. Deixei de poder ser feliz por ali.

Encontrei outro lugar, bem perto no Campo Pequeno. Era totalmente diferente, mais claro, mais despido, mais moderno. Adorava as senhoras e senhores que lá trabalhavam, fui lá tantas vezes que já me conheciam e até sabiam o que eu ia pedir! Um serviço de scones e um galão claro e bem quente.
Muitas foram as horas que ali passei a ler, a estudar outras vidas, a escrever sobre essas vidas. Muitas foram as pessoas que se sentaram comigo à mesa, foi lá que comecei a escrever sobre casais idosos, a sonhar com uma terceira idade assim. Onde irão eles agora beber o seu carioca a meio de tarde?

Fomos tão felizes.

quarta-feira, agosto 15, 2012

Isto sim é viver


Parece que foi ontem.
Parece que foi ontem que nasci. E, curiosamente já vivi tantos e tão poucos anos, tanto e tão pouco do que quero viver.
Houve uma noite em que adormeci criança, cheia de sonhos e o estômago inundado de gelado “Carrossel” e acordei jovem estudante de faculdade. Voltei a deitar-me, sonhei com uma profissão, uma sala de Cinema e um lápis e acordei adulta, repleta de coisas para contar e sonhar.
Continuo adulta, mas sinto-me jovem, muito jovem. Porém, sei que a vida passa a correr, que amanhã pode ser tarde e que ontem ainda era uma menina que passava a tarde (se pudesse) a ter um friozinho na barriga enquanto me empurrava a mim própria num baloiço enferrujado. Se fechar os olhos por uns segundos ainda consigo ouvir o barulho do ferro a roçar na borracha das dobradiças da estrutura envelhecida.
Não gosto de correr, nunca gostei. Prefiro andar, andar mais depressa para poder apreciar a paisagem, mas também tenho medo de “deixar passar”. Receios. Não podemos viver sem eles, mas também não podemos deixar que ditem o percurso dos nossos passos.
A verdade? É que estou a adorar cada opção tomada, e para grande surpresa deito-me adulta e acordo... adulta. Até um dia. Um dia que não me assusta, porque quando lá chegar vou poder olhar para trás e exclamar “Isto sim é viver”.

segunda-feira, agosto 06, 2012

Porto


Há quase dois anos passei um fim de semana na cidade do Porto que veio a marcar uma profunda mudança na minha vida.
Uma mudança não só de atitude, como de carácter. Uma mudança forte e extremamente compensadora a nível emocional e afectivo e que recordo até hoje.
Passados quase dois anos, era de esperar um regresso. Um regresso ponderado e desejado, um regresso que teimava em demorar, não por se terem passado quase dois anos, mas por esses quase dois anos parecerem uma breve eternidade.



Regressada e acalmada, apercebo-me de uma nova mudança. Uma mudança que nada muda, mas que tudo altera. Uma mudança feliz e colorida, trazida por uma brisa do norte e que vai mudar, mais uma vez, o resto da minha vida.


Há cidades com esse poder. O Porto é uma das minhas preferidas, pelo seu ritmo não muito acelerado e não muito lento, que nos permite absorver cada pedra da calçada, pela simpatia das suas gentes que nos abraçam e envolvem e nunca deixam de nos ajudar nas mais variadas situações e pela sua atitude de aldeia feita cidade que ainda está a encontrar o seu lugar. O Porto está nos meus sonhos, pela sua História e pelos seus monumentos, a única pena é realmente a quantidade de prédios e casas deixadas à sua sorte que destoam do restante universo citadino. O Porto precisa de um novo rosto, precisa sim.



No Porto tudo se encontra, mas é fácil andar perdido.



A ribeira ainda apaixona e cativa e o turista ainda se sente num mundo dentro de outro mundo ao ouvir a “língua estrangeira” misturada com a varina que apregoa o seu peixe no Bolhão. Bolhão esse decrépito e agora mera sombra do que poderá ter sido no passado. 



Pelo Porto recomenda-se o Restaurante Mesa, a Chocolataria Equador,  o Palácio da Bolsa, a Igreja de S. Francisco, a Casa da Música. Passeiem a pé, deixem-se ir, mexam-se e vão por mim apaixonem-se no Porto e, pelo Porto.

sábado, julho 14, 2012

Já passaram muitas horas

Já passaram muitas horas. Muitas, desde que nos conhecemos. Um encontro numa noite fria de Novembro. Um passeio ao luar no qual trocámos impressões sobre Polanski, sobre influências e imagine-se... anginas. A despedida foi feita debaixo de chuva após um ameaço de assassinato.
Passaram-se algumas horas e voltámos a encontrar-nos. Desta vez almoçámos juntos num Museu de Cinema e à mesa com Tim Burton. Não me lembro o que comemos, mas recordo-me do à vontade, da cumplicidade e da promessa de nos voltarmos a ver. Passaram-se algumas horas e um terceiro encontro. Um novo jantar numa mesa "zen", um beijo novamente à chuva, mas desta vez com um tecto de carro para nos proteger e a benção de Emily Dickinson.
Já passaram muitas horas e continuamos a crescer. A casa está montada, os gatos criados, seguir-se-ão as viagens, os descendentes e todos os restantes dias das nossas vidas. Parece que foi ontem, parece que foi há uma eternidade, temos a certeza de tudo mas é-nos difícil defnir criteriosamente o que os dias e os meses passados significam na linha cronológica das nossas vidas. Não importa quantos dias vivemos, importa sim o que fazemos deles não é? Se assim for estou orgulhosa de todos que que passei a teu lado e preparada para os que estão para vir ao som das estações dos anos cada vez mais imprevisíveis, loucas, insensatas e cruéis para a terra.
As cores estão misturadas na tela, de azul a roxo, misturei branco com vermelho e agora tenho um cor de rosa despretensioso e carregado de força. Carregada também está a nódoa no pano que uso para proteger as pernas enquanto pinto mais uma tela, nada a fazer, está condenado o pobre coitado. Agora é um pano tingindo, desbotado, um pano dotado de uma arte imaginada por uma cabeça louca parideira de ideias destituídas de qualquer semelhança com a realidade. As ideias são apenas sonhos em carne viva, mas apenas porque precisam sangue para serem algo mais, mais carne e menos ferida, mais cicatriz que agora é carne lisa e fértil para novas sementes.
Falta-nos a noite mágica de Setembro, o brinde, o branco, o lacre. Falta-nos o cadeado preso à grande que vai conhecer todo o nosso amor e todas as horas que já vivemos juntos, falta-nos as orelhas da Minnie e a doce Angelina. Falta-nos todos os dias depois disso. Falta-nos o dia em que o vamos trazer para a nossa casa, o dia em que ele vai conhecer as nossas papoilas, brincar com os gatinhos e comer as papas feitas pelas avós. Passaram-se algumas horas e mal posso esperar pelas que estão para vir. Vá relógio, ordeno-te que te apresses.

sexta-feira, maio 11, 2012

Enquanto assim estiver



Silêncio na casa. Final de tarde, de calor e sombra. Os únicos sons que distingo são os dos pássaros a voar lá fora e o das ambulâncias. Som esse que entra na casa pela fresta da janela. Dentro de casa, um único som. O do silêncio confrontado com o bater dos meus dedos no teclado do computador.
Paz. Será esta a sensação? A garrafa de água está apenas meio bebida, da laranja que lanchei apenas resta a casca depositada finamente no pires deixado em cima da mesa.
O final de tarde é ainda marcado não só pelos sons quem vêm lá de fora como de um pequeno fio de vento que teima em entrar e beijar-me o braço direito. Chamemos-lhe brisa. Chamemos-lhe paz.
Gostava de perceber o que é. O tempo passa e cada vez compreendo menos algumas situações com as quais sou confrontada. "É a vida". Felizmente tenho o resto para me alegrar e me fazer sentir que essa vida merece ser honrada. Tenho um peito cheio de amor capaz de chorar de felicidade. Para já, não preciso de mais nada. Enquanto assim estiver. Não preciso de mais nada.

sexta-feira, maio 04, 2012

Se algum dia voltar a sonhar


Com que então querias desaparecer da minha vida. Patife. Com que direito? Aliás, quem te deu esse direito? Repudio Deus e todas as entidades divinas que tenham esse poder, repudio e juro nunca voltar atrás com a minha decisão.
Não percebes que és parte de mim? Que crescemos juntos. Crescemos, mas eu continuo jovem e tu estás velho, porque quiseram que um ano para ti valesse mais que um ano para mim. Os teus olhos já não me vêem, mas continuo a ser eu. A tua amiga. Os teus ouvidos já não compreendem o que a minha boca diz e o som que dela sai. Antes esse som era para ti, era teu. Agora é do ar e desaparece no vento.
Já não queres a minha companhia, quando eras tu que a querias sempre. A companhia. Pura e simples.
Chegaste numa mala de tiracolo. O teu trono era feito de verga no meio da bonecada. Embirravas com motas e bicicletas e não toleravas António Variações. Gostos. Mas adoravas ir comigo à escola, brincar e correr pelos canaviais. E se se metessem comigo, haviam de se ver contigo. O meu amigo e o meu defensor. Contigo tinha as costas quentes. Amante de costeletas e noitadas, desaparecias durante dias e voltavas cansado e esfomeado ao nosso lar. Sempre foste muito independente, demais para um ser como tu.
Agora queres ir-te embora. Deixar-me seguir com a minha vida. E se eu te disser que não quero seguir com a minha vida em frente? E se eu te disser que tens de ficar para sempre. Ficas?
Sou egoísta, faço da Razão uma piada e acho que ela não merece que lhe passe cartão. Para mim és o ser mais belo do mundo, a luz dos meus olhos, és a minha infância e todos os meus sonhos de menina. Tenho de te deixar partir, um dia. Abandonar esta minha crença e habituar-me à ideia do nascimento do dia em que já não faças parte deste mundo. Se algum dia voltar a sonhar estarás sempre nesse meu sonho e viverás sempre nesse mundo, até ao dia em que eu puder ir ter contigo para brincarmos outra vez. 


quarta-feira, abril 25, 2012

A dona Olímpia


Vejo-a sempre por estas bandas. É normal, já que moramos no mesmo prédio. A única diferença é que ela vive aqui há 50 anos, e eu apenas há um. Afinidades? Temos algumas. Gostamos desta zona, de animais e de colares grandes por cima de golas altas. Ela tem nome de cidade grega e eu de árabe, o que nos afasta.
Às vezes estou a entrar ou a sair do prédio, e lá vai ela com o seu cãozinho que leva a passear pelo menos três vezes ao dia. “Faz-lhe bem a ele e faz-me bem a mim”, imagino eu que ela o deva dizer.
A dona Olímpia diz outras coisas, que vai ao supermercado todos os dias, porque há sempre alguma coisa que faz falta em casa, e que antigamente o Café Vavá era uma maravilha. Depois olha para o chão e envergonha-se antes de dizer que “agora é uma mero café de rua”. Como a percebo, penso eu, de mim para mim.
A dona Olímpia anda sempre na rua, lá vai ela, alta e magra, com os seus cabelos brancos e encaracolados bem arranjados e penteados em canudos curtos. O seu cãozinho de trela vai farejando um poiso, uma erva saborosa ou um banco de jardim, de peito cheio por ter uma dona assim.
Ela veste calças com pinças e tem sempre um sorriso na cara. Uma vez contou-nos ao tentar meter-se a si e ao seu cão no elevador que o foi buscar a um daqueles sítios repletos de animais a precisar de um lar. Eu, que tenho dois meninos em casa que vêm de um sítio assim sei bem o que ela quer dizer, e sinto que se tivesse mais 60 anos podíamos ser grandes amigas.
Ainda ontem a vi com a sua camisola verde-bandeira e o seu cão - que eu acho sempre que deveria ser uma cadela e que o seu nome devia ser Milú - a passear Avenida dos Estados Unidos abaixo.
Pensei cá para comigo. Fascinante esta Dona Olímpia!

sábado, março 31, 2012

E a areia da praia?

Andava eu feliz e contente por voltar a ver o sol a brilhar mais forte que nunca, e logo no fim de semana havia o tempo de mudar radicalmente e brindar-me com uns belos dias de Outono. É coisa que não se entende não senhor. E logo eu, uma miúda com tantas coisas para fazer ao sol, e tão poucas para fazer à sombra.
Quer dizer, agora que penso nisso, lembro-me de uma e outra coisa que podia fazer à sombra, mas também quem faz à sombra, faz ao luar e daqui a nada escurece!
Falava eu no sol e no fim de semana. Não estão contentes por começarem a perceber que vem aí o Verão? E não estão preocupados por pensar que tudo o que não choveu até agora, há-de chover nos meses de Junho, Julho e Agosto?
A boa notícia, é que com ou sem essa preocupação na cabeça, o Verão terá sempre esse poder incontrolável de nos aquecer a alma. De nos fazer querer fruta fresca, beber bebidas frescas, dormir desnudados, e até tirar algumas peças de roupa quando já estamos deitados.
O Verão faz com que dancemos mais, e faz ainda com que a nossa pele fique mais luminosa, mais viva. Voltamos a pôr o anelinho no dedo do pé, porque o pé agora vê por onde andamos, mesmo quando andamos às voltas dos mesmos lugares.
E a areia da praia? Não sentem saudades de sentir a areia entre os vossos dedos, aquela rudeza natural com cheiro a sal, a mar e histórias de pescadores naufragados.
Eu sinto falta do Verão. Muita mesmo.

quarta-feira, março 14, 2012

La Mer

Há imensos motivos pelos quais nos enamoramos por alguns filmes. Tantos quantos os nossos devaneios, as nossas memórias de infância, de adolescência, e mais estranho, memórias de momentos que nunca vivemos em períodos históricos dos quais apenas sabemos aquilo que lemos nos livros ou vimos por alguns instantes em fotografias de arquivo.
Não sei explicar porque adoro tanto o filme Thinker Tailor Soldier Spy. Poderia ser pelas magníficas interpretações de actores como Tom Hardy, Mark Strong, Colin Firth e claro Gary Oldman. Poderia ser pelo modo como a história se desenvolve, ou o tema da espionagem, "o passeio" por Londres, a guerra-fria. Poderia ser tudo isso, mas não é.
Acho que o que me faz gostar tanto deste filme é o facto da verdadeira história se consubstanciar naquela camada emocional que fica à flor da pele e a qual nos permite ver um mundo inteiro de sentimentos.
Espero que esta ideia fique bem espelhada neste vídeo do final do filme em que o tom meio alegre e meio triste o Júlio Iglésias acompanha o destino final de todas as personagens. E palavras, não há?
Não é preciso, fica La Mer.

domingo, março 04, 2012

Maternidade

Então não é que já tenho cortinados no meu quarto!? Orgulho em mim e na minha mãe que nunca esmoreceu aquando dos meus olhares incrédulos e das minhas palavras pronunciadas menos perfeitamente, já que a minha boca abrigava umas quantas bolachas Maria para acalmar o meu estômago cego de fome.

“Um pouco para a direiiiiiita, mais acima, olha que isso vai caiiiiiir, vê lá se a bucha não é grand’ demais, olha que me partes a caixa do estore!”. E ela responde:” Benze-te filha que a mãe só descansa quando a calha estiver presa à parede”. E assim foi uma tarde de Domingo bem passada na companhia da mamã.

Do Pinheirinho, trouxe uma panelona de sopa acabadinha de fazer, um ferro de engomar, 2 cortinados, agulhas e dedais, uma calha de dois metros e meio e muita vontade de contribuir para um lar mais harmonioso.

O que se pensava rápido, tornou-se num parto difícil e demorado, mas a concepção levou tanto amor que o resultado não podia ter ficado mais perfeito. Agora vou começar a dormir num quarto com cortinados lisos, brancos, translúcidos, ah digna de uma princesa!

A gatinha aqui do lar harmonioso, fez das suas e achou que o saco das cortinas daria uma cama perfeita e logo agora que pus a mantinha dela a lavar e só lá para Terça-feira é que deve estar “boa para consumo”.

Da tarde, fica-me o ar de satisfeito da mãe, da sua dedicação e das duzentas histórias que me contou da Avenida de Roma até à João XXI, em que a única coisa que a calou foi um pão de Deus digno dos deuses.

Domingos assim são especiais e eu já tinha saudades de passar um serão com a mamã. Mas faltava-me algo. Fazes-me mesmo muita falta.

segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Quando não estás

As horas demoram a passar como se de décadas atravessassem as ruas. As pontas dos dedos esfriam, e os meus cabelos encaracolam na sombra da tua ausência. Saber que virás em breve, tolda-me os sentidos e ajuda-me na ilusão dos meus próprios olhos. Fecho-os, vejo-te. Fecho-os de novo, e estás deitado a meu lado. O teu corpo virado para a esquerda, a tua cabeça apoiada na almofada das flores cor de rosa, os teus braços a cercar-me o tronco, envaidecido, sonolento.

Mas os olhos pedem para que os abra, e eu respeito-os. Perco o que ganhei, enfrento a noite fria e pontapeio poetas antigos. Tenho vontade de dormir a teu lado, e sei que apenas descansarei quando me acoradres de madrugada com um beijo e me disseres as saudades que sentiste minhas. Uma a uma. Da maior à mais pequena, a tempo de eu te poder retribuir cada palavra em mais beijos.

Até lá, espero por ti.

terça-feira, fevereiro 14, 2012

Ai Valentim, Valentim

Nos dias que correm leio muitos ataques ao pobre coitado do São Valentim que há uns séculos atrás andava descansadinho da sua vida, sem saber que iria causar tantos dissabores a tantas pessoas, quer dizer ele deve ter sido martirizado na Roma antiga, por isso para muito boa gente ele 'teve o que mereceu'!
Mas, como ia a escrever, são muitos ataques feitos aos inúmeros elogios a este dia de S. Valentim, elogios esses que se reflectem em filmes bonitos como este, postais, e algemas com penas cor-de-rosa.
Eu sou das que acredita que este dia deve ser celebrado com toda a pompa e circunstância, nada tem a ver com amar e fazer surpresas às pessoas que amamos nos restantes 364 dias do ano, porque somos livres de o fazer e devemos amá-las ao ponto de o mostrar sem 'obrigações' nesses mesmos 364 dias.
Por isso mesmo, não compreendo o ataque feito a um único dia em que trocamos juras de amor, caixas de chocolates, balões vermelhos, de forma mais explícita ou 'comercial' (palavra detestável nos dias que correm).
Eu gosto de acreditar que seja uma vez, ou 364 dias por ano, o melhor da vida deve ser celebrado, os sortudos festejam o ano todo, os menos sortudos um dia por ano, e os outros: tentam afundar o pobre do Valentim e ridicularizam os jantares românticos nos italianos da cidade!

terça-feira, fevereiro 07, 2012

O Artista

É tão raro ir ao cinema com grandes expectativas e sair de lá com o peito cheio de contentamento, que demorei alguns dias a conseguir escrever algumas palavras sobre obra de Michel Hazanavicius.

No escuro de uma sala cheia, tive a oportunidade de entrar numa outra dimensão: a dimensão do sonho americano, onde a realidade e a ficção se esbatem numa cortina de renda.

O Cinema mudo reinou em Hollywood, que na altura ainda era Hollywoodland, durante aproximadamente três décadas, tendo o seu apogeu na década de 20 e entrando não em declínio mas sofrendo uma morte súbita no início da década de 30 fruto do crash de 29 e de uma necessidade maior que a força humana: a necessidade de evasão.

«O Artista» é sobre este pequeno e pobre resumo de uma parte da História do Cinema, e sobre a queda de um homem que se viu perdido no meio deste turbilhão de acontecimentos, em que os jovens desconhecidos saltaram um degrau tão alto, que lhes permitiu ultrapassar os outros mais experientes.

George Valentim (Jean Dujardin) é um galã do cinema mudo, que protagonizou dezenas de filmes e que, sem querer, conhece Peggy (Berénice Bejo) uma jovem actriz. Valentim inadvertidamente faz dela uma estrela e Peggy brilha no cinema sonoro,tornando-se o símbolo da nova era, a era que George Valentim repudia por orgulho.

A premissa é simples, mas o desenvolver desta obra de arte é extraordinária: costuma ser assim quando o conceito é explorado com amor e dedicação. Mais do que uma história de amor entre duas pessoas, «O Artista» é uma hitória de amor pelo Cinema.

O realizador usa finamente os artifícios que lhe permitem uma narrativa fluida e quase intuitiva.Mais do que saber o que vai acontecer, o que nos prende é como acontece, e como somos transportados para uma época sobre a qual apenas sabemos através dos filmes que já vimos, ou dos quais já ouvimos falar.

São vários os esquemas usados que demonstram o profundo conhecimento pelos filmes desta era, tanto no uso dos planos aproximados enquadrados em objectos como pano de fundo, como os planos partilhados quer seja por casais, quer seja pelo par majestoso da obra -George e o seu cão fiel e amigo - ou até mesmo as cenas em que as personagens se revêem em espelhos.

Morre assim o cinema mudo e nasce a era sonora e a época das screwball comedies. Em vez de usar o olhar, era altura de usar a voz, e muitos foram os actores que viram a sua carreira morrer porque tinham uma voz desafinada ou estridente, desadequada à imagem cuidadosamente criada pelos estúdios e dissonante face à imaginada pelos próprios espectadores.

Tal como Billy Wilder fez em «O crepúsculos dos deuses», Michel Hazanavicius debruça-se sobre a relutância de um actor conceituado em adaptar-se a uma indústria diferente daquela em que perdeu o seu grau de intocabilidade. Todos sabemos que o Homem sempre recusou a mudança, mas não costuma ser um homem qualquer a fazê-lo, normalmente são os mais experientes aqueles que menos preparados estão para as novas eras.

A introdução do som na obra também a torna ainda mais característica, já que a mesma é feita de duas formas, uma onírica, em que «se prepara» o protagonista para o que está para vir, e uma manifestamente real aquando da aprovação da era em questão por parte do público (e não só), revelando-se como uma das cenas mais mágicas a que assisti nos últimos tempos. Essa cena vem mostrar, que um bom filme não precisa de um bom twist para ser apoteótico, basta ser verdadeiro para que nos deixemos render.

Jean Dujardin faz um trabalho notório e digno, e qualquer prémio é mais que merecido, conseguindo uma interpretação única já que apenas o podemos avaliar pela sua expressão e pelo seu encanto natural. Um trabalho esplêndido que já o consagrou e que nos mostra que ser actor, nada tem a ver com palavras, mas sim com o que fica entre elas.

Berenice Bejo também é fantástica no papel de heroína incansável, dotada de uma energia contagiante e uma aura de musa, que nos apaixona principalmente na cena em que se deixa abraçar por um casaco solitário.

É uma verdadeira lição assistir ao «O Artista», a lição de que o Cinema é e sempre foi um mundo paralelo, poderoso pelo fascínio que exerce, e desarmante por nos deixar entrar no mundo do sonho que nos envolve e apaixona, encanta e liberta.

sexta-feira, janeiro 27, 2012

À procura de ideias

Quando as ideias fogem, não há nada fazer, a nao ser esperar. Normalmente as fujonas das ideias revoltam-se e somem do mapa, evaporam-se e nós achamos que estamos a ser tramados!

Quando tal acontece - bem sei que é irritante - não há nada fazer, a não ser esperar. Normalmente as ideias revoltam-se e desaparecem, chamem-nas de sentimentais, e assim podem contar com cerca de uma semana, até voltarem a avistá-las.

Normalmente quando temos de ter uma ideia, e há muitos momentos na vida assim, pensamos de tal forma que tudo nos parece amorfo e sem conteúdo. Por isso mais vale, deixar ir. Pura e simplesmente, deixar de pensar, que as ideias regressam num momento de pleno vazio, refeitas e com os seus caprichos devidamente saciados.

Eu ou faço isso, ou seja, nao penso em nada ou penso em tudo. Mas faça o que fizer, costumo fazer acompanhar-me de comida, ou entao de um plano majestoso para uma refeiçao!

Escolho a esplanada, o melhor ângulo na mesa, peço leite com café, ou seja, uma galão quente e bem claro, e lambo torradas quando o coração não me pede o aconchego de um pão-de-Deus ou de uma boa fatia de bolo de chocolate.

Tem dias em que a inspiração vem, e com ela as ideias fazem-me debitar palavras nas folhas, tem outros em que risco e rabisco, mais do que escrevo, e nesses dias costumo sentir-me como uma pessoa com muito pouco para dizer ao mundo!

Porém, às vezes obrigam-nos a ter mais e mais ideias, e encurtam-nos os prazos, nessas vezes tenho de me obrigar, e podia dizer que fico exausta, mas não é bem assim que me sinto. É mais um misto entre obrigação e alegria, ansiedade e contentamento por ver (finalmente) a folha repleta e a maquete elaborada.

terça-feira, janeiro 24, 2012

Pensa pequena, pensa.

Os raios de sol penetravam as horas do dia que ainda ia a meio. Da janela avistava pessoas minúsculas que andavam rapidamente para fugir do frio, e pombos que se ajustavam ao passeio. A chávena de café libertava vapor que embaciava o vidro da janela e criava uma penumbra mortal que se desvanecia pouco depois.
Os dedos que tocavam a chávena aqueciam o resto do corpo e a franja teimava em desfigurar a paisagem com laivos morenos a pairar pelo ar. Pensava numa forma de criar o que estava por criar. Num momento antecipado, sonhou um futuro, com viagens, risos e experiências. Viu flores e o recheio de um bolo. Imaginou nomes, e viu-se perdida numa tempestade. Num momento fatídico, pensou na dor, e na alegria transbordante, no cheiro a pés de bebés, e numa sesta cálida. Há coisas que se fazem descaradamente, outras que se disfarçam, ou simplesmente não são proferidas, esta é uma delas. Navegar por águas mais tumultuosas por gosto, criar rugas de riso, alimentar a esperança com dias de plenitude. Transbordar de orgulho pelo que se sente, por aquilo a que se é fiel, e por saber que a luz de dias como este não se vão jamais extinguir.

terça-feira, janeiro 17, 2012

E uma vida é tudo o que precisamos

Só temos uma vida.
A verdade é essa.
Uma vida, em que podemos chorar, rir, entrar, partir, governar, chamar, sentir, beijar, comer, vestir, sair, limpar, fugir, escrever, desejar, cuidar, morder, vingar, e tantas outras coisas, tantas como a existência de verbos no infinitivo, em português, ou em qualquer língua à volta do Globo.
A vida que temos, deve ser estimada. Não é curta o suficiente, nem longa o desejado para que consigamos preencher todas as lacunas, ou realizar todos os sonhos que balançam na rede do nosso coração.
Às vezes enganamo-nos a nós próprios, erramos quer seja por imaturidade ou por teimosia, brincamos com os sentimentos de alguém ou deixamos que alguém brinque com o nosso brinquedo. Felizmente, em determinado momento das nossas vidas, percebemos da enormidade do palácio que tentamos edificar. Maior que nós, lado a lado com a nossa alma. Há sempre aquele momento em que sentimos que lá por falharmos uma vez, não quer dizer que falhemos sempre.
Teremos sempre as nossas amigas e amigos, aqueles que amamos, os lugares que deixámos de procurar mas que lembramos com saudade, as palavras que vagueiam na nossa mente à espera de serem proferidas.
Os nossos corações vão partir-se e vamos tentar ser poetisas, vamos olhar para as nossas mãe e repetir para nós mesmas, que os mesmos erros não se vão repetir, vamos acordar manhã após manhã e achar que há algo que não faz sentido nenhum.
Haverá sempre a possibilidade de tentar, se não for à primeira, será à segunda, ou à terceira, o importante é sabermos que fizémos tudo o que estava ao nosso alcance.
E sorriam, há motivos maravilhosos para sorrir nos dias que correm. Encontrem-nos! Façam-nos! Desejem-nos! Sejam bravos. Eu estou a tentar sê-lo também!

Vem aí

quarta-feira, janeiro 11, 2012

Vou contar-vos uma história

Ele chega meio trémulo de xícara e pastel de nata nas mãos, e desvia cuidadosamente a louça deixada por alguém na mesa onde se vai sentar. O senhor pensa melhor, e hesita entre deixá-la lá ou transportá-la até ao balcão para que fiquem em fila de espera para o duche de torneira na cozinha.
Ele tem já poucos cabelos, e os poucos são brancos, parecem neve, uma neve doce e sábia. De blaser com quatro botões de punho dourados, e aliança na mão direita, puxa dos jornais e senta-se frente a eles para os folhear.
Ela chega entretanto. Escolhe umas revistas e diz que vai pedir um cafézinho para fazer companhia ao seu garoto «bem escuro». Ele sorri, meio perdido nas frases que vai lendo mas sem nunca tirar os olhos das páginas, e apenas interrompe a leitura para retirar do bolso a sua pequena carteira dos trocos fazendo espalhar as folhas do jornal no chão. A senhora levanta-se devagar e maternalmente, ou seja, sem pestanejar e levanta-as do chão, como se as trouxesse de volta à vida. Os dois vão trocando magras palavras, sem nunca se enxergar. Cada um para seu lado, ela com as suas pérolas ao pescoço, ele com os seus óculos bem juntos aos olhos.
Conheceram-se numa festa de Faculdade. Ela tinha muitos pretendentes, ele muita vontade de dançar com ela, e de a beijar num segundo encontro! A vida não foi fácil, mas o casamento trouxe crianças para alegrar a casa, e agora é aos netos que compete essa feliz missão.
Ela desvia atenção da revista, mexe no brinco da orelha esquerda: sinal de que pensa no que vai ser o jantar desta noite, ou apenas se lembra da juventude. Questiono-me muito, se as pessoas mais velhas passam muito do seu tempo a pensar nos anos que já lá vão...
Antigamente, ela costumava fazer-lhe uma carne no forno, a sua preferida! E ele desdobrava-se em elogios que a enchiam de orgulho por fazê-lo um esposo dedicado.
A leitura fica em dia e ela ajuda-o a levantar, ele devolve os jornais e lembra-se que tem de ir à casa de banho. Ela aguarda-o pacientemente. Passam quase dez minutos, e ele regressa finalmente. A sua esposa, devota e amada ajuda-o a vestir o casaco e a colocar o cachecol. Estão tão perto de mim que sinto a aragem própria do movimento a mover-me os cabelos.
Eu fico ali sentada, como se nada fosse, continuo a ler enquanto o meu leite esfria tal como os scones que o acompanham. Fico com vontade de ir ter com eles e dizer-lhe que gosto muito deles, mas deixo-me ficar. Imagino-os a regressar juntos a casa, de mãos dadas, e a dar um beijinho de boa-noite agora mesmo. Não lhes disse que gostava muito deles, mas digo-o a vocês.

terça-feira, janeiro 03, 2012