Van Gogh, Path through a field with willows, 1888
- Tu ainda acreditas em magia?
Perguntou-lhe ele enquantos estavam os dois sentados nas escadas à frente da porta da escola que teimava em abrir.
Os dois sós, os dois meninos. Sentados como se aquele fosse o último dia de aulas antes das férias grandes, como se os dois fossem as únicas crianças daquela aldeia, como se aquela manhã fosse fonte inesgotável de risos e queques, sumo de laranja e pão com manteiga, e leite com chocolate em pó aquecido.
- Eu sim. Acredito em magia. Porquê? Tu não?
- És uma tola. Vou explicar-te uma coisa, coisa essa que jamais esquecerás. A magia não existe. O que existe são truques que fazem com que acredites em magia. No entanto, tudo não passa de artimanhas bem feitas que fazem com que pombos voem de cartolas, coelhos apareçam dentro de gaiolas fechadas a cadeado num abrir e fechar de olhos. O que tu não sabes é que num abrir e fechar de olhos uma pessoa pode ser muito rápida, e iludir-te e depois enganar-te e tu não percebes. Não podes acreditar em tudo o que vês.
A menina retraiu-se, sentiu um calafrio e uma primeira lágrima fez-se convidada no seu rosto. Pensou para si mesma que ele estaria a enganá-la, mas também não tinha como não acreditar nas palavras que ele acabava de ter dito, e deu para si a abandonar a sua própria crença e esqueceu-se de continuar a chorar.
Ao ver que tinha perturbado a jovem alma da menina, o menino disse:
- Não fiques triste, a magia não existe mas há coisas verdadeiramente mágicas, essas não precisam de truqes ou mentiras.
A campainha tocou e os meninos entraram na escola, cada um para a sua sala, ela era mais nova e mais pequenina que ele um menino mais velho e já na quarta classe. Ela sentou-se e aprendeu a colorir folhas com animais parados nelas e a desenhar letras, ele deixou-se ficar.
A menina nunca mais se sentou nas escadas com ele, os dois cresceram, a menina saiu da aldeia, o menino ficou, a menina voltava e o menino sempre lá ficara.
A menina aprendeu mais coisas, percebeu que os números eram infinitos e que não se davam bem com ela, que a vida parecia estar sempre um passo à frentes das suas decisões e que aceitando-as saberia ser feliz e até quem sabe contrariar a própria vida.
Nos dias em que a menina, agora mais crescida volta à aldeia e procura o menino, uma ou outra vez encontra-o na estrada, sempre na estrada, ele parece por lá vaguear sentado a guiar o seu tractor, alheado de tudo e de todos. Quando assim é ela recorda-se que foi ele quem uma vez disse que a magia não existe, o que ele desconhece é que ele acabou por lhe dizer a ela o seu verdadeiro oposto. A magia não existe, mas as coisas mágicas sim.
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