Às vezes sinto que o dia presente, será o último dia em que usarei palavras.
Normalmente adormeço com esse pensamento. Durante a noite algo de mágico acontece. É como se me despedisse milhares de vezes de alguém, e no dia seguinte ele voltasse a aparecer na minha vida. Ao acordar, as palavras estão já deitadas a meu lado leves e sorridentes. De noite costumam acontecer coisas mágicas, os deuses descem à terra e ofertam-nos com os seus encantos, mas fiquem atentos, porque os deuses são caprichosos. É de noite que os deuses descem à terra dos sonhos. Pairam sobre nós, sussuram-nos palavras doces e tornam os nossos sonhos em matéria. Afinal de que são feitos os sonhos? Hei-de morrer sem saber a resposta, apenas a posso imaginar.
Imaginar e depois escrever, sendo que escrever nada mais é que reviver um momento que já não se repete, apenas o podemos voltar a imaginar, tentar decifrar pedaços da nossa existência e criar laços a partir daí. Laços que quando dados e depois recolhidos no fio da memória nos arrancam sosrrisos rasgados. É assim, doce e frenético...o sonho, o momento que se sonha. O meu último sonho foi uma realidade. Estava meia que a dormir, mas sem dormir verdadeiramente, digamos que estava naquele momento em que internamente travamos uma batalha entre vontade e necessidade, que nem sempre são a mesma coisa, mas quando são, é de facto um momento maravilhoso. E meia que a dormir, era chamada ao meu mundo por uma voz, ela estava ali colada ao meu ouvido, como que um zumbido, fazendo com que a necessidade fosse rebaixada pelo desejo, porque eu desejava ficar acordada durante horas. De repente, o zumbido tornou-se um grito, a distância que eu imaginava encurtou-se, e senti a adrenalina nos minutos que antecediam a abertura dos presentes no Natal quando era pequena. Saltei da cama, juro que saltei da cama para ver com os meu próprios olhos aquilo que os meus ouvidos me diziam. Não era mentira. A melhor prenda, pele com pele, voz com voz, toque com toque, sentir algo a crescer, o mundo poderia começar a arder nesse preciso momento que não daria conta, será que ardeu? Parece que parou de girar, ou então começou a girar mais depressa que nunca. A noite envolta tornou-se madrugada, os deuses por ali, sobre nós, por entre, de dentro para fora, entrando e saindo. Os deuses só nos deixaram quando afugentados pelos primeiros raios de sol. Para nossa sorte, nós ficámos, por uma vez, completamente a sós.
Sem comentários:
Enviar um comentário